13 outubro 2016

Bierruhe


(fonte: Tagesspiegel)


Há algumas semanas li numa revista um artigo muito interessante sobre o que aconteceu em Munique no dia do amok, quando o mundo inteiro achou que o 13 de Novembro de Paris se estava a repetir na Alemanha. Guardei a revista para falar aqui desse artigo, e fi-lo tão bem que não sei onde está, e já nem me lembro se era a Spiegel ou a Stern. De modo que vou ter de referir de memória:

A partir dos factos (um iraniano tresloucado e tomado de ódio por turcos começa por armar uma cilada para os atrair a um restaurante, e tenta matar o maior número possível de pessoas nessa zona; duas horas e meia depois suicida-se em frente a alguns agentes da polícia), o artigo vai dando exemplos do pânico que se espalhou em toda a cidade e rapidamente chegou ao outro lado do planeta, levando o Obama a solidarizar-se com o povo de Munique, enquanto este corria assarapantado, em fugas desnorteadas e perigosas, pressentindo em qualquer ruído mais forte um ataque terrorista. Fala-se de uma miúda de 14 anos que vem passar o fim-de-semana com o pai, e acaba escondida várias horas numa cave sem rede de telemóvel, a muitos quilómetros de distância do local dos ataques. Fala-se de uma mulher (libanesa? tunisina?) que está no cinema com a filha, quando alguém entra pela sala a anunciar que Munique está a ser alvo de um ataque terrorista; a primeira reacção da mulher é um terrível medo dos terroristas islâmicos, e a segunda é medo por se dar conta de que, naquela sala, aos olhos dos outros a "terrorista islâmica" é ela; a fuga decorre sem incidentes, particularmente devido à calma da filha de sete anos que diz que já treinaram aquilo na escola, e sabe perfeitamente o que é preciso fazer. E fala-se de uma cervejaria no centro, em cujo pátio está a decorrer uma grande festa, cujo dono se vê obrigado a muitas mentiras e muito bluff para levar as pessoas para um lugar mais seguro sem criar uma onda de pânico. Ao fim da noite, quando vai fechar a cervejaria depois de as pessoas terem conseguido fugir todas, dá com uns 10 clientes que ainda estão calmamente a acabar de beber a sua cerveja, e manda-os para casa.
Depois de mostrar a irracionalidade da cadeia de reacções provocadas pelo amok, o autor termina com votos de que, numa eventual tragédia idêntica, sejamos capazes de fazer como os últimos clientes da cervejaria: ter "Bierruhe" (literalmente: tranquilidade da cerveja, com o sentido de tranquilidade inabalável).

Esta semana deflagrou um incêndio num dos edifícios mais icónicos de Berlim. O prédio de 21 andares foi evacuado serenamente. As ruas foram fechadas ao trânsito, os peões desviados para o passeio da frente. Foi chamado o corpo de intervenção especial da polícia federal. Praticamente não se ouviram sirenes da polícia e dos bombeiros. O incêndio foi rapidamente dominado, mas uma mochila sem dono provocou alguma preocupação e um reforço das medidas de segurança. O ambiente era de tal modo calmo que numa das ruas cortadas ao trânsito vi um casal parado à chuva, em frente ao semáforo, porque estava vermelho para peões.

A polícia aprendeu depressa com o exemplo de Munique: três meses depois, perante uma crise de imagem facilmente associável a atentados terroristas, soube enfrentar a situação sem alarmar as pessoas. Com polícia assim é muito fácil manter a Bierruhe.

A verdade é que é muito mais provável morrer na próxima vaga de gripe ou num acidente na estrada do que num atentado terrorista. E nem a hipótese de uma gripe ou de um acidente na estrada nos tiram o sono e o gosto de beber calmamente a cerveja até ao fim.
Que é como deve ser.


1 comentário:

Noughtone Binary disse...

Com vacinação a probabilidade da gripe matar é maior que zero Oettinger