12 julho 2016

o estranho caso da Torre Eiffel com as cores francesas no fim do campeonato, ou: tenham juízo!



(fonte)

Por acordo entre a Orange e a Mairie de Paris, as cores na torre Eiffel eram diariamente ditadas pelo maior número de tweets a apoiar um país. Como quem diz que o poder é do povo, etc. (tretas do nosso mundo de interactividade internética).

As regras foram explicadas de forma clara e em várias línguas (por exemplo aquiaqui e aqui).

Acho estranho que uma empresa (a Orange) se possa apropriar do mais importante símbolo da França para uma campanha de publicidade. Mas foi assim decidido, e as pessoas estavam informadas sobre as regras.

Ao longo do campeonato, a Torre Eiffel mostrou por quatro vezes as cores portuguesas, o que prova que havia muitos portugueses que conheciam as regras e souberam jogar com elas.

Se na noite da vitória se esqueceram de ir para o twitter, isso é compreensível. O que não é compreensível é reagir à distracção dos portugueses dizendo mal dos franceses.

Os jornais publicaram "notícias" a falar do mau perder dos franceses, Os sites encheram-se de comentários vergonhosos, e que dão péssima imagem dos portugueses: sabíamos as regras, tínhamos o poder de cobrir a torre Eiffel com as nossas cores, falhámos nisso, e desatámos a acusar os franceses, exibindo sem qualquer pudor os nossos preconceitos contra eles. É pena mostrarmo-nos tão pequeninos no momento de uma vitória tão grande.



18 comentários:

Daniel Carrapa disse...

O outro lado dessa moeda são os 100.000 franceses que já assinaram uma petição a pedir à UEFA a repetição do jogo da final, dizendo que os portugueses foram "trapaceiros" (e outras coisas bem piores).

O futebol está cheio de exageros e todos os países têm a sua dose de tacanhez popular. Mas não me parece que tenhamos de nos entregar à auto-flagelação perante anfitriões tão pouco magnânimos.

Bjo.

Helena Araújo disse...

Daniel,
os erros dos outros não desculpam os nossos. Podemos criticar os franceses por causa dessa petição (de certeza que não é Imprensa Falsa?! ;) ) mas não os podemos criticar por terem agido segundo as regras que estavam claras para todos.
Se fosse francesa não gostaria nada de saber que há franceses a assinar essa petição. Como portuguesa, não gosto nada de ver os comentários sobre o mau perder dos franceses, a sua arrogância e a sua xenofobia quando o episódio da Torre Eiffel não tem nada a ver com isso.

Rita Maria disse...

Vinha aqui referir essa petição assinada por uma muito representativa maioria de 0,15% dos franceses, mas vejo que alguém já se me adiantou...

Não sei o que se passa - será que para ficarmos contentes é preciso garantir que eles ficaram mesmo mesmo chateados, corroídos de inveja, que o vale de lágrimas colectivo vai superar as cheias de Paris e que o treinador francês vai sucumbir à Bastilha?

Helena Araújo disse...

Rita,
é - parece que não basta ganhar, também é preciso fazê-los morder o pó. E a conversa das porteiras de Paris finalmente vingadas (bem como todos os outros emigrantes no mundo inteiro) também me cheira a filme barato.

Outra questão é uma incrível susceptibilidade em relação a tudo o que dizem sobre nós, do tamanho da cegueira em relação ao que dizemos sobre os outros.

Gostava mesmo que na alegria da vitória tivéssemos gestos de grandeza. Valha-nos o rapazinho português que consolou o francês. Haja mais desses.

Rita Maria disse...

Lembras-te do concurso para a "mulher mais invejada de Portugal"?
É a nossa escala: arrasado, infeliz, tristonho, cá se vai andando, mais ou menos, contente, feliz, muito feliz, invejado.
É quando nos invejam que conseguimos o verdadeiro triunfo.

(a susceptibilidade extrema é uma grande verdade. Parceira de certa forma de um desejo de agradar tão grande que é quase patológico)

Helena Araújo disse...

É mesmo pena. Isto devia ser motivo para andarmos contentes. Só isso: muito contentes.
Mas não. Andamos a sujar a alegria com estes nossos complexos de inferioridade.
Como se tivéssemos motivos para os ter!

Fuschia disse...

É a primeira vez que estou a ouvir falar nisto. Tinha um chefe que dizia que só acreditava em alguma coisa quando o mesmo boato lhe chegava de três fontes diferentes e na mesma versão. Pois que com a imprensa, nem com 3 fontes diferentes, é preciso ler 10.

Daniel Carrapa disse...

Estais a ver? É por isto que as mulheres não se deviam envolver nestas questões do futebol. Vêm vocês com a vossa assertividade e bondade naturais, e a gente ficamos constrangidos e já não podemos dizer aqueles basismos deliciosos que se dizem nestas alturas.

Tipo toma lá que já não se ficam a rir das invasões francesas. Esta estava aqui guardada desde 1810, ou achavam que a gente deixava passar isso da linha Maginot, ein?

Ora bolas...

Helena Araújo disse...

hahahaha

Eh, pá, tinha-me esquecido das invasões francesas! Ai os malandros! Bem feita, é para aprenderem! E devolvam o que nos roubaram!

D.S. disse...

Fico muito aliviada que não tenha sido a Alemanha quem derrotamos na final. Aí é que o Schadenfreude não ia ter limites.

Helena Araújo disse...

Pois é!
Em compensação, imagino a reacção dos alemães se ganhassem aos portugueses: iam ficar felicíssimos com o título, e sentir alguma pena dos portugueses, "esse povo tão simpático que até merecia ganhar" ou algo assim.
É muito estranho estar no meio disto a observar as diferenças.

Rita Maria disse...

Bem, na verdade a embirração com o jogo de Portugal e com o Cristiano Ronaldo em particular também tem os seus partidários na Alemanha e, embora não tenha números, duvido que sejam assim tão poucos.
Li caixas de comentários alemãs pós-vitória (e eram do Süddeutsche, não do Bildzeitung) em que quase só emigrantes portugueses diziam bem da selecção e no dia seguinte ao jogo com o País de Gales fui entrevistada pela SWR3 e uma das coisas que a jornalista me perguntou foi justamente se em Portugal também existia essa embirração generalizada.

Não são os alemães todos? Claro que não.
Mas acho que a Helena está de novo a comparar o melhor da Alemanha com o pior de Portugal.

Helena Araújo disse...

Ó Rita,
embirrações com as fitas do Ronaldo e o jogo de Portugal até em Portugal encontras, e não são poucas. Agora diminuiu, porque estão todos em êxtase com a vitória, mas antes disso toda a gente tinha críticas a fazer.

Já viste alemães a ser mesquinhos na hora da vitória? Já te esqueceste do que fizeram depois de ganharem ao Brasil, no Mundial? Tens algum exemplo de uma onda de crítica e ódio contra a Argentina depois de a Alemanha ter ganho o Mundial? Eu não me lembro de nada deste género.

Rita Maria disse...

Não vi nunca reacções oficiais mesquinhas depois de uma vitória, ou de uma derrota, alemãs no futebol. Acho que parte disso é profissionalismo, parte disso é inteligência e parte disso é genuinamente educação, civilidade e bom carácter. Não torço por esta selecção desde 2006 só para confundir o meu coraçãozinho bipolar.

Agora no geral da população alemã, em estratos sociais semelhantes aos comentadores de jornais portugueses, ou em percentagens semelhantes à petição francesa? Encontro de tudo, li de tudo, ouvi de tudo.

E desta vez quase nada do que li de forma acidental e não representativa era favorável à selecção portuguesa, o que julgo que me permite supor como muito improvável que, se em vez dos franceses tivessem sido os alemães a defrontar-nos na final e nos tivessem ganho, a população alemã ficaria generalizadamente com pena desse "povo tão simpático que até merecia ganhar".

Helena Araújo disse...

Rita, não te esqueças que o ponto de partida disto é este título de um jornal português: "o mau perder dos franceses".
Diz-me um jornal alemão que tenha feito um título deste género depois de a Alemanha ter vencido a Argentina.

Helena Araújo disse...

Além disso:

1. de que comentários na SZ estás a falar? Os primeiros que encontrei lá, respondendo à pergunta se Portugal merecia ganhar, não tinham nada do que estás a dizer.

http://www.sueddeutsche.de/sport/ihr-forum-portugal-ist-europameister-verdient-1.3073143

2. lembras-te da dança dos gaúchos? lembras-te da onda de críticas nos media que se abateu sobre os jogadores alemães, por terem feito uma gracinha à custa do perdedor?



Helena Araújo disse...

Também tens estes artigos onde as pessoas (inclusivamente nos comentários) são capazes de falar do Messi e dos argentinos com compaixão e objectividade:

http://www.tagesspiegel.de/sport/wm-2014-deutschland-argentinien-lionel-messi-blieb-die-kroenung-versagt/10199566.html

http://www.welt.de/sport/fussball/wm-2014/article130163122/Weltweite-Kritik-an-Goldenem-Ball-fuer-Lionel-Messi.html#disqus_thread

(Sim, estou chateada com aquele "Mas acho que a Helena está de novo a comparar o melhor da Alemanha com o pior de Portugal."
Desta vez não acertaste, e ofendeste-me.)

Rita Maria disse...

1) Eu não discordei do teu post. Concordei com ele, como acho que ficou claro e não tenho melhor opinião do que tu sobre o jornalismo português.

2) Discordei, e discordo, desta afirmação: "Em compensação, imagino a reacção dos alemães se ganhassem aos portugueses: iam ficar felicíssimos com o título, e sentir alguma pena dos portugueses, "esse povo tão simpático que até merecia ganhar" ou algo assim".

3) Por mais voltas que dê não encontro a mesma caixa de comentários que li outro dia no Facebook do Süddeutsche. Mas encontrei por exemplo este post maravilhoso e muitos comentários deste tipo:

"ja diese unfairenn franszosen... schlimmer als die nazis :-D danke portugal dass du uns allen gezeigt hast, dass auch die letzte gurkentruppe die ihre mannschaft auf einen einzigen spieler ausrichtet mit ner geschenkten ko phase und ner easy gruppe gerade so sich durchmogelnd gewinnen"
"Furchtbarste EM mit dem furchtbarsten Europameister aller Zeiten."
"Ein Ereignis wunderbar in Worte gefasst. Die langweiligst spielende Mannschaft, außer Russland, wurde Europameister. Was für ein Fazit für diese EM 2016."
"Der Vorrunden Dritte darf Europameister werden. Nach Griechenland und Italien ein weiterer unverdienter Sieger. Zurück zum alten Modus."
"Es zeigt sich: Es "gewinnt" nicht immer der Bessere"
"Offensichtlich ist: Dtschland hätte locker gegen die Port.gewonnen. Und: Mit Ronaldingso hätte France gewonnen. Das war ein übles,unwürdiges Endspiel.".

E isto foi só em duas caixas de comentários do Facebook do Süddeutsche no Facebook, para ser sincera não tenho tempo agora para procurar mais.

4) Isto é representativo? Não, de todo. Isto quer dizer que todos os alemães acham que a nossa vitória não foi merecida? Não, claro que não. Mas torna, para mim, muito improvável que caso tivéssemos jogado com a Alemanha e ela tivesse ganho a opinião generalizada dos alemães fosse de pena desse "povo tão simpático que até merecia ganhar".

5) Acho que falas muitas da Alemanha como um país onde as posições são sempre ponderadas, civilizadas e equilibradas como se fosse uma descrição do todo ou da absoluta maioria. E, a meu ver, não é, e fica muitas vezes a faltar o verso da moeda. Não acho que o faças de forma desonesta ou propositada, mas é um retrato em que não revejo o país que conheci e do qual me sinto pertença.
E, concordando muitas vezes com as críticas que fazes à construção da opinião pública em Portugal, dos jornais às pessoas com quem discutes no Facebook, não acho a comparação, que surge tantas e tantas vezes, justa.