28 fevereiro 2016

Merda d’Artista




Beeeem...
O Godwin só costuma dar um ar da sua graça lá para a terceira frase, mas desta vez é irresistível: estava a ouvir este rapazinho, e a lembrar-me das posições sobre a "arte degenerada" na Alemanha nos anos 30. A passagem "dantes é que eles pintavam bem" evoca imediatamente os nazis que trocavam as obras de "arte degenerada" confiscadas por quadros "como deve de ser" - os dos antigos. Também havia os que levavam os produtos do confisco para a sua colecção particular - seria talvez a atracção do abismo (e pergunto-me, maldosa, se este rapazinho não terá uma conserva de Merda d’Artista do Manzoni a servir de pisa-papéis) (sim: suspeito de uma certa fixação fecal, devido às nuances precisas de shit, bullshit e dogshit na sua assertiva adjectivação).

Não que o rapaz seja nazi. Nada disso. Está apenas a incorrer no mesmo erro de olhar para a arte a partir da sua perspectiva limitada, e a negar a possibilidade de outras perspectivas. Além disso, ainda não percebeu que na arte moderna há uma componente meta artística e meta cultural (o objecto de arte como reflexão, descoberta, experiência e provocação da arte e da cultura) e outra à maneira de Rorschach (uma parte importante da obra de arte é aquilo que evoca na pessoa que a contempla). Ironicamente, o rapazinho inscreve-se nas obras que critica, e revitaliza-as: não há provocação sem provocado. E mais não digo, porque não sei.

(A Merda d'Artista do Manzoni, em latinhas numeradas e assinadas, foi vendida ao preço do ouro, e desde então o seu valor tem aumentado exponencialmente. Este fenómeno ilumina com tal crueza e nitidez certas cenas do nosso tempo, que quase se podia dizer que o Manzoni é um Caravaggio contemporâneo...)


2 comentários:

Jorge Carvalheira disse...

O maior dos múltiplos equívocos expostos consiste em considerar que o valor de mercado duma "obra" contemporânea tem alguma coisa que ver, quer de perto quer de longe, com o que está dentro dela, e com a sua natureza estética.

jj.amarante disse...

A argumentação é troglodita e fico a pensar que gostava de ouvir uma crítica sensata aos desmandos provocadores de alguma arte contemporãnea. Depois pensei que eu próprio poderia dar uma contribuição. Às vezes abordo este tema no meu blogue mas de forma muito ténue.