03 fevereiro 2016

ajudar a morrer



Nesta sociedade que faz de conta que a morte não existe, ou que é culpa do profissional da saúde, muitas pessoas fazem essa travessia na mais terrível solidão. O medo de morrer fica ainda maior perante a parede de silêncio erguida pela recusa dos outros de assumir a ruptura iminente e irreparável, e o embaraço de não saber o que fazer numa hora de morte.

Noutros tempos, as pessoas nasciam e morriam em casa - tudo fazia parte do ciclo da vida, e a assistência ao moribundo aprendia-se naturalmente. Para os católicos, o rito da extrema-unção exigia o entender dos sinais, e a vinda do padre contribuía para que todos se preparassem para aceitar o inevitável. Mas desde que a morte se tornou um tema tabu, os saberes e os ritos perderam-se, e ficámos desamparados. Era preciso aprender a dar assistência a moribundos, tal como aprendemos primeiros socorros.

Do pouco que sei, partilho duas frases que me parecem notáveis:

A médica que acalmou a miúda de cinco anos que fazia uma cena de gritos porque não queria que a avó morresse, dizendo: "Morrer é muito difícil, e a tua avó precisa da ajuda de todos para poder partir em paz. Queres ajudar?"

A filha que disse ao homem moribundo: "No sítio para onde vais, já estão à tua espera, preparados para te acolher".

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Para quem estava à espera que eu falasse sobre a eutanásia: desculpem.
Não tenho opinião sobre esse assunto, apenas uma preocupação: que, numa sociedade onde a velhice é vista como um fardo e um incómodo, as pessoas se sintam tentadas a ir desta para melhor para não incomodar mais, para não pesarem a ninguém.


1 comentário:

jj.amarante disse...

Muito bom! Mas às vezes é de repente, sem ter que se estar presente...