07 janeiro 2016

a propósito dos acontecimentos em Colónia na noite de passagem de ano (3)

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Ainda não se sabe quem esteve envolvido nos ataques em Colónia, mas alguns políticos já estão a fazer o gostinho à direita nacionalista. Como o secretário-geral do CSU, Andreas Scheuer, que exige o repatriamento imediato de refugiados que importunarem mulheres: "é inaceitável que à noite, nas ruas e praças das cidades alemãs, as mulheres sejam vítimas de violência sexual e de roubo por parte de jovens imigrantes". Afirma que se trata de um tipo novo e repulsivo de violência, e que "se os refugiados ou as pessoas que pedem asilo cometem estes ataques, trata-se de um abuso da hospitalidade, o que só pode ter como consequência o fim imediato da sua estadia na Alemanha". Fala em tolerância zero para este novo tipo de violência sexual: "na nossa sociedade há regras claras, que todos têm de respeitar, não apenas os que já cá vivem, mas também os que estão a chegar". Continua: "o respeito pelas mulheres é um valor fundamental da nossa sociedade, e por isso faço um apelo aos media para que não silenciem os crimes mas que, pelo contrário, os noticiem com clareza e transparência". Afirma ainda que a discussão sobre a distância de segurança a manter não faz sentido, porque não são as pessoas que aqui vivem que têm de se adaptar a quem chega, é quem chega que tem de aceitar as regras aqui vigentes.

Em suma: não se sabe quem foi, não se sabe se há realmente refugiados envolvidos, mas Andreas Scheuer já vai adiantando o que se deve fazer aos refugiados caso se descubra que foram eles...

Claudia Roth (Verdes) tem uma posição muito crítica em relação a este tipo de aproveitamento político, e chama a atenção para o risco das generalizações: "Não podemos dizer que isto é típico do norte da África, ou típico dos refugiados. Estamos perante um caso de violência masculina e estamos perante a tentativa de usar essa situação - a noite da passagem de ano - como se houvesse um vazio jurídico."

Nos jornais multiplicam-se os textos de opinião criticando duramente este caso chocante de violência sexual, mas simultaneamente alertando para o risco do reforço de preconceitos, e para a traição às vítimas que resulta do aproveitamento deste crime para servir determinados preconceitos e ideologias políticas.

Andreas Scheuer tem razão quando diz que os valores fundamentais desta sociedade são indiscutíveis, mas o vínculo que estabelece entre os refugiados e o que aconteceu em Colónia é oportunista - pelo menos até se provar que os atacantes eram refugiados.

Além disso, a questão dos valores essenciais a transmitir aos estrangeiros é muito delicada. Desde já, porque se parte de uma determinada imagem generalizada e negativa das pessoas que entram no país. Depois, porque há o risco de querer transformar os estrangeiros em alemães exemplares, sem que se saiba o que isso é. Cada alemão é um caso, goza de uma grande margem para diversidade e até para desrespeitar certos limites, sem ter sobre si uma espada de Dâmocles pronta a arrancá-lo daqui para o enviar para outro país. Os estrangeiros, esses, têm de ser exemplares. E se não forem...

Sempre que ouço falar em obrigar os estrangeiros a aceitar os valores desta sociedade, recordo um comentário sobre Ratzinger e o teste para poder receber a nacionalidade alemã: chumbava na parte relativa aos homossexuais. Também penso nos momentos de humilhação que passei, por quererem fazer de mim uma boa alemã. O "isso aqui não se faz" a propósito de tudo e de nada, ou as duras críticas às minhas escolhas sobre maternidade e profissão. Ser mãe e trabalhar é algo naturalíssimo em Portugal, mas não o era há vinte anos na Alemanha. Eu optei por continuar a trabalhar apesar de não precisar do dinheiro, deixando os meus filhos "abandonados numa instituição onde eram educados sabe-se lá por quem". Devia ter sido repatriada? Bem sei que há uma diferença enorme entre uma mulher ser vítima de violência sexual, e uma criança ser vítima de desleixo parental continuado... ahem, quer dizer... talvez seja melhor não insistir neste exemplo...

Aceito, obviamente, a necessidade de ensinar os valores fundamentais do país, mas assusta-me o potencial para o exercício da prepotência e da humilhação, e a posição de permanente assimetria em relação aos estrangeiros, tornando-os cidadãos de segunda classe que só são aceites de modo condicional.


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