08 outubro 2015

um dia destes ainda me pagam para me tornar alemã




Fui ao Lunchkonzert. Cheguei quinze minutos antes da hora, mas as portas já estavam fechadas. Antes de mim tinham chegado 1.500 pessoas, não deixavam entrar mais ninguém. E logo com o Varian Fry Quartett, e logo com um quarteto de Brahms! Grande azar.

A caminho da porta principal, para esperar que abrissem a caixa, vi passar um músico com quem precisava de falar urgentemente, e fui ter com ele. Como ele estava sem tempo, entrámos os dois no edifício, e eu fui dizendo ao que ia enquanto subíamos as escadas. Conversa feita, ele foi à vida dele, e eu dei comigo dentro da Filarmonia, mesmo ao lado da porta que me levaria directamente para a sala onde decorria o concerto que eu queria muito ver.

Hesitei, disse-me "regras são regras!", voltei para trás e saí para a rua.

Conheço muitos alemães que não teriam feito isto. Um dia destes ainda me pagam para eu me tornar alemã - subo-lhes o nível!

(A verdade é que uma pessoa faz uma coisa destas e sente-se um bocadinho burra. Que mal fazia?, etc. etc. - maldito Kant, grande metenojo.)

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Fiquei em frente à porta principal à espera que a abrissem no fim do concerto, para ir para a fila da caixa. Algumas pessoas saíram (parvas! ao fim de cinco ou dez minutos!), mas os porteiros não deixaram entrar ninguém. Dantes deixavam as pessoas esperar dentro da casa, junto aos pilares da zona reservada do foyer. Não era perfeito, mas sempre se podia ouvir a música ao longe. Além disso, sempre que saía alguém deixavam entrar outras pessoas. Mas era tamanha a barulheira de conversas, tão desagradáveis os encontrões e os gritos "eu! eu! eu!" sempre que alguém saía, o estrondo dos sapatos apressados a chegar perto dos músicos, o clac clac clac a ecoar em toda a sala, era tudo tão caótico e degradante que a Filarmonia decidiu tornar as regras muito mais rígidas. A partir do momento em que a sala está cheia, não entra mais ninguém. Nem que saiam centenas de pessoas, não entra mais ninguém. Só no fim do concerto abrem as portas - e aí podemos aproveitar os aplausos para correr para o palco e ouvir os encores.

De modo que fiquei 45 minutos em frente à porta fechada, vi sair dezenas de pessoas, e pensei com irritação nos palermas que abusaram de tal modo que conduziram a esta proibição. Afinal, havia um bom motivo para eu não entrar na sala pela porta dos fundos: o mundo é mais fácil e agradável quando as pessoas respeitam voluntariamente as regras e se respeitam mutuamente, em vez de abusar ao ponto de se imporem regras mais rígidas e controles mais apertados.

Desta vez não corri para o palco no fim do concerto. Queria ir para a fila da caixa, comprar bilhetes para o ciclo Beethoven desta semana. A música do encore soava ao longe, mas mal a ouvia, porque estava toda a gente na conversa. Inclusivamente os que tinham assistido ao concerto.

Não entendo as pessoas que dizem que gostam de música, mas se põem a falar e a incomodar quem quer ouvir. Grandes parolos.

O Kant teria com certeza uma palavrinha a dizer sobre isto. E suspeito que concordaria com ele.


1 comentário:

Paulo Topa disse...

Já disse, mas repito: gosto muito da maioria dos seus textos e muitos deles deixam-me maid bem disposto e com mais respeito pelos outros; apesar da sua realidade ser algo distante da minha.