01 outubro 2015

mandei-lhe uma carta...

Perante a crise de valores na Europa evidenciada de forma muito clara na maneira como está a tratar os refugiados, temos todos perguntado o que podemos fazer. Conheço pessoas que organizaram manifs de boas-vindas aos refugiados, sei dos gestos de generosidade na caravana que os portugueses enviaram, sei dos pais de família que se meteram num carro para ir buscar algumas dessas pessoas ao outro lado da Europa. Um amigo meu propõe que nos manifestemos também ao nível das ideias. Aqui fica a sua proposta: 

Enviar três cartas:
- uma dirigida à embaixadora da Hungria em Lisboa, protestando contra a política do seu governo perante os refugiados;
- uma carta ao primeiro-ministro de Portugal, pedindo para exigir a suspensão da Hungria como membro da UE; e pedindo que, enquanto líder do PSD, membro do PPE (partido onde se inclui o partido no poder na Hungria), peça a expulsão deste partido como membro do PPE;
- uma carta ao cardeal Erdo, arcebispo de Budapeste, pedindo que os bispos católicos sejam mais intervenientes na luta contra este governo.

Cada pessoa pode alterar o texto como entender - trata-se apenas de uma sugestão. Quem não for homem, ou português, ou católico (no caso da carta ao cardeal, que está em francês, seguida da tradução para português), convém mudar essas partes do texto. Os respectivos endereços de e-mail vêm imediatamente antes do texto. 

Se isto ajuda alguma coisa? Talvez ajude. Pelo menos na medida em que dá visibilidade a quem critica o que se está a passar e exige que a Europa saiba traduzir os valores em que diz basear-se para os gestos de acolhimento aos refugiados. O espaço público não pode ser dado de bandeja aos que negam a ajuda por medo da ameaça islâmica - e muito menos aos que vêem no aproveitamento desses medos uma oportunidade de ganhar espaço político. 


Eis as cartas:

A – Embaixada da Hungria


Ex.ma Senhora
Klara Breuer
Embaixadora da Hungria em Lisboa

Ex.ma Senhora Embaixadora

Como cidadão português e europeu, venho exprimir-lhe o meu vivo repúdio pela política do Governo que a Senhora representa e que contraria os tratados da União Europeia, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os principais documentos europeus nessa matéria.

Na minha opinião, a Hungria já devia ter sido suspensa da União Europeia, pela violação sistemática das normas e dos valores básicos e consagrados nos Tratados da UE. Um Governo que manda disparar (mesmo que sejam balas de borracha) sobre pessoas indefesas não merece integrar uma comunidade que nasceu para defender a liberdade, os direitos humanos e o primado do direito.

É lamentável que o seu Governo esqueça que, em 1956, cerca de 200 mil húngaros fugiram do país e foram acolhidos na Áustria e na ex-Jugoslávia, porque queriam uma vida melhor – exactamente o mesmo que procuram agora os refugiados que chegam do Médio Oriente.

Não esqueço que, ao contrário do que faz o seu Governo – que nos lembra o pior do século XX europeu –, a Hungria acolheu, há vinte anos, milhares de pessoas em fuga da então Alemanha de Leste, permitindo a sua passagem para procurar refúgio em outros países.

Espero que o melhor da história da Hungria e dos seus valores venha em breve a vencer as pessoas sem humanidade que tomaram conta do seu país.

Com os meus cumprimentos,



B – Primeiro-ministro


Ex.mo Senhor
Dr. Pedro Passos Coelho
Primeiro-Ministro
Lisboa

Ex.mo Senhor Primeiro-Ministro

Com os meus cumprimentos, venho, enquanto cidadão português e europeu, lamentar o facto de o Senhor e o Governo português ainda não terem exigido a imediata suspensão da Hungria enquanto membro da União Europeia.

O Governo húngaro tem violado sistematicamente regras básicas dos Tratados da UE e dos valores que inspiraram a União. Não se percebe por isso que – ao contrário do que tem sucedido nos últimos tempos, quando estão em causa questões relativas às finanças, em que os governos da UE se apressam a ameaçar com medidas, cortes e expulsões – os comportamentos do Governo húngaro não mereçam mais do que declarações de circunstância e vagas condenações.

Devo acrescentar um outro profundo lamento: o de que o Senhor, enquanto presidente do PSD, que integra o Partido Popular Europeu ao lado da União Cívica Húngara (Fidesz, no Governo na Hungria), não tenha ainda exigido no interior do PPE, a imediata suspensão ou expulsão do partido húngaro do PPE.

Espero, por isso, que a sua atitude mude rapidamente e que Portugal passe a exigir a suspensão da Hungria como Estado-membro da UE. E espero vê-lo, enquanto presidente do PSD, a pedir a suspensão da Fidesz como partido-membro do PPE.

Com os meus cumprimentos,



C – Cardeal Erdo,  arcebispo de Budapeste


Mr. Card. Péter Erdő
Archevêque de Budapest

Éminence

Je suis portugais, citoyen européen et catholique. Et dans cette triple condition, j’ai vraiment honte de ce qui se passe en Europe en ce moment. Je suis particulièrement préoccupé par les actions de ces dernières semaines du gouvernement hongrois concernant la situation des réfugiés – personnes démunies qui ont échappée à la guerre, à  la violence et à la haine.

A nos frontières et d’une façon plus accentuée à la frontière de la Hongrie,  ces personnes sont  de nouveau confrontées à la violence et la haine. J’aimerais penser qu’un pays qui, en 1956, a vu 200 mil personnes passer en Autriche et dans d’autres pays voisins pour fuir la violence politique communiste, n’oublierait pas cette expérience si récente d’être accueilli. J’aimerais aussi penser qu’un pays qui, en 1989, a reçu des milliers d’allemands en fuite de l’Allemagne de l’Est, n’oublierait pas son passé de terre d'accueil.

Mais je me suis trompé. La patrie de Sainte Élisabeth de Hongrie, qui avait une attention privilégiée envers les plus pauvres (comme sont aujourd’hui les réfugiés) semble avoir oublié son héritage et effacé ce que la meilleure tradition chrétienne du pays l’appellerait à faire.

C’est pour ça que je vous écris, Éminence. J’ai lu le communiqué de la Conférence Episcopale de la Hongrie qui manifestait la volonté de suivre les propositions du Pape pour accueillir des réfugiés; mais j’ai lu aussi les propos de l’évêque Laszlo Kiss-Rigo (que je regrette beaucoup, en tant que chrétien), qui disait que les réfugiés viennent  "envahir" l’Europe. Et j’ai lu aussi un article de Reuters (http://www.reuters.com/article/2015/09/05/us-europe-migrants-hungary-divide-idUSKCN0R50F120150905), avec vos déclarations, selon lesquelles l’Église ne peut pas accueillir les réfugiés, car il s’agit de trafic humain. Si ces déclarations sont bien reproduites, Éminence, je me demande comment vous pouvez faire de telles déclarations et en même temps, remercier le Pape. Car le Pape dit exactement le contraire...

Je rappelle aussi votre présence à Lisbonne pour le Congrès de la Nouvelle Évangélisation. Je me demande si la nouvelle évangélisation (comme la "vieille") ne nous demande pas d’accueillir chaque personne, comme nous dit le texte de St. Mathieu 25.

L'essentiel, pour moi, en tant que chrétien, serait de voir les évêques de mon Église (même si d’un autre pays) a lutter par des moyens non-violents, mais aussi forts et publiquement, contre la dérive inhumaine du gouvernement hongrois, qui nous rappelle les heures les plus noires que l’Europe a vécu au XX.ème siècle.

Je sais que beaucoup de chrétiens et de catholiques défient les lois autoritaires de ce gouvernement et sont dans la rue, pour aider de nombreux  réfugiés. Mais je souhaiterais aussi voir les évêques hongrois plus déterminés dans leur critique à ce gouvernement qui invoque le nom de Dieu pour mieux l’effacer de la place publique et de notre continent.

C’est à vous, Éminence, de choisir, en tant qu’archevêque de Esztergom-Budapest, d’être prophète ou de rester caché par la peur. Je crois qu'affronter ce pouvoir et ce gouvernement anti-chrétien c’est un devoir d’un pasteur.

Avec mes salutations,



(Z- carta ao cardeal em português)

Sou português, cidadão europeu e católico. E nesta tripla condição, tenho uma grande vergonha por aquilo que se passa neste momento na Europa. E estou particularmente preocupado pelas acções das últimas semanas do governo húngaro no que respeita à situação dos refugiados – pessoas sem nada que escaparam à guerra, à violência e ao ódio.

Nas nossas fronteiras, e de modo especial na fronteira da Hungria, estas pessoas são de novo confrontadas com a violência e o ódio. Gostaria de pensar que um país que, em 1956, viu 200 mil pessoas saírem para a Áustria e outros países vizinhos, fugindo da violência política comunista, não esqueceria esta experiência recente de ser acolhido. Gostaria de pensar também que um país que, em 1989, recebeu milhares de alemães em fuga da Alemanha de Leste, não esqueceria o seu passado de terra de acolhimento.

Afinal, enganei-me. A pátria de Santa Isabel da Hungria, que tinha uma atenção privilegiada para com os mais pobres (como são hoje os refugiados) parece ter esquecido a sua herança e apagado o que a melhor tradição cristã do país chamaria a fazer.

É por isso que lhe escrevo, Eminência. Li o comunicado da Conferência Episcopal Húngara que manifesta a vontade de seguir as propostas do Papa para acolher refugiados; mas li também as declarações do bispo Laszlo Kiss-Rigo (que lamento profundamente, enquanto cristão), que dizia que os refugiados vêm “invadir” a Europa. E li também uma notícia da Reuters (http://www.reuters.com/article/2015/09/05/us-europe-migrants-hungary-divide-idUSKCN0R50F120150905), com declarações suas, segundo as quais a Igreja não poderia acolher os refugiados, pois isso seria tráfico humano. Se as declarações estão bem reproduzidas, Eminência, pergunto-me como pode dizer isso e, ao mesmo tempo, agradecer o Papa. Porque o Papa diz exactamente o contrário….

Recordo também a sua participação, em Lisboa, no Congresso da Nova Evangelização. E pergunto-me se a nova evangelização (como a “velha”) não nos pede que acolhamos cada pessoa, como nos diz o texto de São Mateus, capítulo 25.

O essencial, para mim, enquanto cristão, seria ver os bispos da minha Igreja (mesmo que de um outro país) a lutar por meios não-violentos, mas também forte e publicamente, contra a deriva desumana do governo húngaro, que nos recorda as horas mais negras que a Europa viveu no século XX.

Sei que muitos cristãos e católicos desafiam as leis autoritárias desse governo e estão na rua, para ajudar numerosos refugiados. Mas gostaria de ver também os bispos húngaros mais determinados na sua crítica a este governo que invoca o nome de deus para melhor o apagar da praça pública e do nosso continente.

É a si, Eminência, que cabe escolher, enquanto arcebispo de Esztergom-Budapest, entre ser profeta ou ficar escondido pelo medo. Creio que afrontar o poder e este governo anti-cristão é o dever de m pastor.

Com os meus cumprimentos



1 comentário:

Lucy disse...

o governo português e a embaixada da Hungria acusaram ter recebido... very polite!