25 outubro 2015

"fantasma"

A minha irmã herdou a casa da avó, e foi para lá viver com a família. À hora das refeições, quando estavam todos sentados à mesa, o esquentador do gás disparava sozinho, e o meu cunhado dizia:
- Pede à tua avó que nos deixe comer sossegados.
A minha irmã adorava aquela avó, suspeito que a ideia da sua presença lhe seria muito grata. Eu é que não gostava nada da história que contavam para nos consolar, de que quem morria ia para o céu e ficava de lá a olhar por nós. "Mesmo quando vou à casa de banho?", pensava eu, incomodada. Não me dava jeito nenhum ter avós e tios mortos que podiam não respeitar a minha privacidade.
Depois admiram-se que as pessoas se afastem da religião.

Muitos anos mais tarde, o filho de uma amiga nossa, que passou um mês connosco e dormia num quarto junto à entrada do sótão, contou-me que viu um fantasma parado à sua porta, a olhar com um ar triste. Mas ele já sabia o que fazer com fantasmas, e pô-lo a andar. Volta e meia o fantasma regressava, e ele mandava-o de volta pelo mesmo caminho.
Fiquei curiosa, e passei a deixar a porta do quarto aberta, mas nunca vi o fantasma - o meu quarto era no rés-do-chão, talvez ele não gostasse dos andares mais terra-a-terra. Ou então talvez eu adormecesse cedo demais (é cá um mau hábito que tenho, tinham de me ter visto ontem a cabecear ao volante entre Leipzig e Berlim, e ainda nem eram 10 da noite...), e o fantasma passava a noite à porta do meu quarto a ver-me ressonar a sono solto. Não admira que tivesse um ar triste e desolado: isto não é vida!


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