11 setembro 2015

desfazer o que se fez




No meio da praga de comentários xenófobos contra os refugiados apareceu-me o vídeo dos "refugiados a recusar comida por vir numa caixa com uma cruz vermelha", espalhado por aí a partir do site de um jornal. Entretanto o jornal já avisou que a notícia é errada, e que eles estão a protestar pelo modo como foram tratados e não devido à cruz que se vê na embalagem (aqui está a história completa), mas a mentira continua a espalhar-se e a encontrar pessoas que fazem questão de acreditar nela.

Agarrem-me, que se me deixassem mandar mandava que a pessoa que largou no mundo uma falsidade deste género (mesmo que involuntariamente) fosse obrigada a desfazer o engano em todos os sites onde houvesse ecos do que afirmou. E não seria apenas deixar um comentário entre milhares de comentários - seria a obrigação de insistir, insistir, insistir, até que ninguém tenha mais dúvidas sobre o facto de aquela notícia ser mentira.

Dito isto, espreitei os comentários de várias cópias deste vídeo no youtube. Neste caso, desfazer o que se fez é um trabalho de Sísifo. Por isso mesmo me parece que é imperioso responsabilizar seriamente as pessoas, para que elas pensem dez vezes antes de porem estas mentiras a jeito de caírem nas redes sociais.

Perguntarão: estás a ver bem o que queres fazer? Isso são anos de trabalho!
Bom, entre uma pessoa passar anos a desfazer o que fez num momento de irreflexão, e um grupo de pessoas ter de aguentar ao longo dos anos (ou até de várias gerações) as consequências de um discurso xenófobo do qual não tem qualquer culpa... entre estes dois casos, confesso que mon coeur ne balance pas. 


9 comentários:

Fuschia disse...

Talvez seja preciso começar a educar as pessoas para a internet de uma maneira formal. Se uma notícia muito importante vier de um site tipo "istotábonito", eu já sei que não pode ser verdade porque a ser verdade estaria primeiro na sic noticias. Muitos fenómenos e mitos que continuam a correr na internet já estão desmentidos noutros sites há anos, se alguém se preocupar em procurar. Quando vi essa notícia dos refugiados recusarem comida por causa da cruz, achei que encaixava tanto no discurso xenófobo que estava a crescer que desconfiei. Logo de seguida surgiu o desmentido, mas no fim de contas, as pessoas preferem acreditar naquilo que lhes serve melhor as crenças.

jj.amarante disse...

Também recebi esse filme mas as mentiras tão frequentes do actual governo de Portugal tornaram-me um pouco mais desconfiado e olhando para o filme constatei que não existe nenhuma evidência clara sobre o motivo da recusa.

De qualquer forma refresquei uma história que tinha lido em tempos sobre a tentativa de criação de uma imagem religiosamente neutra para a Cruz Vermelha que se pode aceder googlando (A história dos emblemas da CICV).

Já sabia da existência do Crescente Vermelho e da Estrela de David Vermelha mas desconhecia o leão e o sol vermelho. Constata-se que a compaixão pelo próximo está muitas vezes ligada à religião, se bem que a hostilidade aos outros também faça parte do pacote.

A forma do logo "cristal vermelho" ou "diamante vermelho" pode ser acedida googlando (Cristal Vermelho – Wiki).

E termino dizendo que esta mania recente de considerar spam todos os comentários contendo links torna a escrita mais complicada!

O

Helena Araújo disse...

Pois é, servem-se.
Quanto ao educar: hoje acordei drástica: era a doer. Quem diz "primeiro os portugueses" não percebeu a ideia de solidariedade que é uma das bases da União Europeia, e por isso devia ficar impossibilitado de ter acesso a qualquer benefício dos fundos de solidariedade europeus, como o FSE, por exemplo. Quem confunde terroristas com muçulmanos não pode viajar livremente no espaço Schengen, porque cada país já tem trabalho suficiente com os seus próprios idiotas, e não precisa de importar os idiotas alheios. Etc.
Cuidado comigo: mais um bocadinho, e vou-me alistar na Guarda da Revolução iraniana... ;)
Mas a questão é importante: o que é mais perigoso para a Europa? Os eventuais terroristas que possam vir nos barcos de refugiados, ou estes "nossos" que usam a liberdade de expressão para corroer as bases mais importantes da nossa sociedade democrática e humanista?

jj.amarante disse...

Na sequência do meu comentário anterior, googlando (Sociedade do Leão e do Sol Vermelho) encontra-se o símbolo que poderá ser reutilizado pelo Irão e que achei muito curioso!

Helena Araújo disse...

Obrigada, jj. amarante!
É, fica mais trabalhoso para todos.
Gostei do cristal vermelho. Podia-me habituar a ele. :)

Fuschia disse...

Helena, tudo o que dizes é verdade. Mas também é verdade isto: é tão mais fácil o preconceito. Porque não dá trabalho, não implica mudança. No fundo todos os comentários xenófobos têm como base um medo de mudança, que nos venham tirar alguma coisa, que nos venham fazer mal, que, que, que. Mas e se for o contrário? E se forem estas pessoas muçulmanas a inserirem-se numa cultura europeia, a mudar a mentalidade radical de alguns países islâmicos? Sabemos nós adivinhar o futuro? Poderemos nós dizer que nunca seremos nós a meter a família toda num barco para fugir?

Helena Araújo disse...

Pois...

(e já tantas vezes entrámos em barcos, comboios ou camiões para fugir à miséria) (no Brasil contam anedotas de português - nós merecemos? gostamos?)

Fuschia disse...

Ainda hoje de manhã alguém me contava como estava espantada que pessoas que fugiram como ela da guerra de angola e vieram para portugal sem nada agora manifestam-se contra os refugiados.

Helena Araújo disse...

ah, mas isso é muito diferente!... ;)