28 setembro 2015

como acolher os refugiados?

Repasso um texto que escrevi para o blogue da associação Conceitos do Mundo.
(Podem espreitar a associação aqui, e o blogue aqui)





Estima-se que este ano entrarão na Alemanha mais de 800 mil refugiados. Como acolher dignamente todas essas pessoas?

Na semana passada falou-se muito da cidadezinha de Schwerte, estranhamente confundida com o campo de concentração de Buchenwald, que fez a opção de dividir os “seus” refugiados em grupos de vinte pessoas, no máximo, para evitar situações de gueto. Por falta de alojamento disponível, puseram um desses grupos na casa onde viviam os guardas de um campo de trabalhos forçados que funcionou durante 10 meses em 1944. Entretanto chegaram mais de 150 refugiados num dia só, e ficaram todos num pavilhão desportivo.

Esta cidade é um bom exemplo das dificuldades em ajudar de forma digna as pessoas que chegam repentinamente e em tão grande número. Tem havido protestos devido à atribuição de um número igual de refugiados a cada município, sem fazer contas à população de cada região nem às suas capacidades financeiras. Sugere-se que a distribuição das pessoas seja proporcional à população local, e as despesas sejam assumidas pelos fundos federais. Debate-se e decide-se a uma velocidade estonteante. 

Mas os problemas já estão aí, e as situações terão de ser corrigidas. Uma amiga contava-me recentemente que visitou uma aldeia da região de Erzgebirge, onde optaram por reabrir um antigo campo de férias dos Pioneiros para alojar cerca de 2500 refugiados. O problema é que a aldeia tem apenas 2400 habitantes. A vida na aldeia mudou completamente de um dia para o outro, e encheu-se de micro tragédias, como a da família que tinha marcado no notário a assinatura do contrato de venda da sua casa, e esta não se chegou a realizar porque o comprador já não quer comprar casa nenhuma naquele lugar. O que mais atormenta os antigos habitantes é o medo do que não compreendem, e sobretudo os surtos de violência entre os refugiados.

Não tenho ilusões: se metessem todas as pessoas da minha selecta rua berlinense num antigo campo de férias dos Pioneiros, e dessem um quarto a cada família, nem uma semana levaria para começarem conflitos graves entre todos. Aliás, basta ir aos hotéis all inclusive em regiões de pacotes turísticos baratos, e ver como os turistas europeus se atropelam no buffet para serem os primeiros a chegar aos camarões ou aos morangos…

Não vou criticar a decisão de reabrir o campo de férias dos Pioneiros, porque não tenho nenhuma solução melhor para resolver este problema neste preciso momento. Mas é óbvio que a integração dos refugiados exige uma distribuição muito mais cuidada. Se no seu total são 1% da população europeia, então não podem ser mais do que 1% (ou, digamos, 5%) da população de cada rua, aldeia, ou cidade. Não pode haver guetos. A propósito, ocorre-me agora uma antiga lei de Berlim, nos anos 60, quando os emigrantes começaram a chegar à cidade. Uma vez atingido o plafond de emigrantes estabelecido para cada bairro, não podia entrar mais nenhum. Uma portuguesa contou-me que, com a ajuda do padre, aldrabaram um bocadinho para ela conseguir ir morar com o marido.

A minha amiga falou com alguns refugiados que encontrou na rua ou no autocarro, nessa aldeia da região de Erzgebirge. Contaram-lhe as suas dificuldades para conseguirem chegar aqui, os problemas actuais, nomeadamente os desentendimentos dentro do seu próprio grupo, que está muito longe de ser homogéneo. Queixaram-se dos “penetras” de outros países – iranianos e iraquianos que compram um passaporte sírio por 500 euros e aproveitam a oportunidade para emigrar para a Europa. Eu já ia comentar “ah, isso não se faz!”, mas o meu vizinho irlandês começou a dizer, em tom pensativo, “ah, o Irão e o Iraque…” – um amigo dele, iraniano residente no Reino Unido, foi visitar a família ao Irão e foi preso por se ter convertido ao cristianismo. Quando o libertaram, um mês mais tarde, vinha sem dentes.

As tragédias do mundo estão a bater insistentemente à nossa porta, e é cada vez mais difícil fazer de conta que não vemos. Contudo, não podemos ser ingénuos. Os gestos de solidariedade que esta situação exige à Europa têm de ser inteligentes e realistas. O mundo não é a preto e branco. Os refugiados que aqui chegam não são uma versão moderna de um cavalo de Tróia recheado de fundamentalistas muçulmanos, mas também não são os “pobrezinhos agradecidos, honrados e submissos” que tanto jeito nos dava. São indivíduos com as suas idiossincrasias e a sua história pessoal, como qualquer um de nós.

Não vale a pena discutir se os queremos cá ou não. Eles já estão cá, e há muitos mais a caminho. Um fluxo imparável de pessoas desesperadas, que vêem na Europa a sua última hipótese de conseguir voltar a ter uma vida. Quando a Angela Merkel escancarou as fronteiras alemãs para acolher os refugiados, avisou imediatamente que a integração destas pessoas era um desígnio nacional. Para além do tecto, alimentação, vestuário e acesso aos cuidados de saúde que lhes serão dados, é preciso um esforço enorme das sociedades para que quem entra agora na Europa se venha a sentir europeu. Há que arregaçar as mangas e começar a trabalhar com entusiasmo e incansavelmente para fazer da nossa Europa um lugar onde todos se sintam bem. É esse o maior desafio: integrar estes novos membros da sociedade num “nós” europeu. Que será certamente diferente do que é hoje – mas está hoje nas nossas mãos fazer com que seja o melhor possível.


2 comentários:

Gi disse...

A melhor maneira (a única?) de integrar estas pessoas é dar-lhes trabalho pago, Helena, e onde é que se arranja isso?

Helena Araújo disse...

Trabalho pago não basta. Têm de aprender a língua e o modo de viver, e teremos de nos ajustar uns aos outros.
Sobre o trabalho: já vi exemplos de médicos sírios a trabalhar em regiões onde nenhum médico se quer instalar, ou de pessoas que vendem cozinhados tradicionais sírios e têm muito sucesso. Acredito que a maior parte destas pessoas querem tornar-se mais um de nós, e que lutarão arduamente para isso, nomeadamente procurando ou inventando um trabalho para si.
Na Alemanha já se está a falar em dar-lhes cursos de formação profissional para que fiquem capazes de responder às necessidades do mercado de trabalho deste país.