18 junho 2015

"by heart" em Berlim




Ouvi rasgados elogios a esta peça em Portugal, queixei-me da insularidade do costume, e por uma vez alguém que move os cordelinhos lá em cima ouviu-me e trouxe a Berlim o Tiago Rodrigues.
(A montanha veio ao choramingas do Maomé.)
(Vou chorar ainda mais alto, pode ser que o Caetano Veloso e o Gilberto Gil...)
(E o Chico Buarque, o Chico Buaaaaaaarque! buaaaaaa, snif, snif!)

Uma coisa é preciso dizer: o Tiago Rodrigues tem-nos bem... bom, deixem lá.
Apresenta uma peça de teatro em inglês com as legendas para alemão previamente escritas (ou seja, não pode improvisar a meio), e ensina ao público alemão um soneto de Shakespeare. Em alemão, língua que ele não fala. A verdade é que era um alemão que o público também não falava - que tradução mais intragável aquela! E que trabalho de Hércules, ensinar alemães a recitar versos como se ensina um papagaio a dizer frases que não entende.

Apesar da dificuldade do poema, a peça resulta em grande. Nem podia ser de outro modo: é realmente muito boa. Mas não vou aqui falar das ideias, nem da inteligência do encadeamento, nem do humor, nem da sábia gestão das emoções. Vão ver a peça. Numa língua qualquer - estou capaz de acreditar que o Tiago Rodrigues até em chinês a fazia bem, e que o público chinês aplaudiria entusiasmado e comovido como o público berlinense, ontem.

Aqui ficam alguns bocadinhos da peça:

Trailer de BY HEART de Tiago Rodrigues from Mundo Perfeito on Vimeo.


E deixo também o poema traduzido pelo Vasco Graça Moura, que o Tiago teve a feliz ideia de dizer no fim - embalando a plateia na música tão mais doce que a do texto alemão, e deixando-me a mim de alma lavada.

Soneto 30, de William Shakespeare (tradução de Vasco Graça Moura)

"Quando em meu mudo e doce pensamento
chamo à lembrança as coisas que passaram
choro o que em vão busquei e me sustento
gastando o tempo em penas que ficaram.
E afogo os olhos (pouco afins ao pranto)
por amigos que a morte em treva esconde
e choro a dor de amar cerrada há tanto
e a visão que se foi e não responde.
E então me enlutam lutos já passados,
me falam desventura e desventura,
lamentos tristemente lamentados.
Pago o que já paguei e com usura.
Mas basta em ti pensar, amigo, e assim
têm cura as perdas e as tristezas fim."

(daqui)

E para quem está a precisar de um destrava-línguas:


William Shakespeare: Sonett XXX

(übersetzt von Terese Robinson, 1927)

Wenn ich zum stillen Rat in meiner Brust
Entbiete die Erinn’rung alter Tage,
Wein’ ich um manchen schmerzlichen Verlust
Und füg’ zu altem Leid die neue Klage.

Dann fließt mein Aug’, das selten Tränen trüben,
Um Freunde, die des Todes Nacht verschlang,
Es weint aufs neu um halb vergess’nes Lieben,
Um mancher frohen Hoffnung Untergang.

Und so, beschwert von alter Zeit Beschwerde,
Seh’ Leid um Leid im Buch ich aufgemalt,
Verwehtes Weh beugt tief mein Haupt zur Erde,

Ich zahle neu, als hätt’ ich nie gezahlt.
Doch denk ich dein, fühl ich das Leid entschweben
Und, Liebster, nichts verlor ich je im Leben.


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