15 maio 2015

nostalgia não combina muito bem com sexta-feira de manhã, mas as coisas são como são



A minha primeira casa era numa rua de vivendas no fim da cidade. No verão, depois do jantar, saíamos com os miúdos da vizinhança para caçar grilos no "redondo" que marcava os limites da nossa geografia. Foi quando eu quis ter uma pilinha, para poder acertar melhor nas tocas dos grilos. (O Freud é pateta, tem aquela cabeça cheia de porcarias.) A minha mãe sorriu e disse-me que não tinha meios para isso, e eu arranjei logo um plano B: "não faz mal, então peço-a ao Menino Jesus, ele consegue." No Natal pedi uma pilinha para caçar grilos, e farinha de pau para fazer comida para as minhas bonecas. Não me deram uma coisa nem outra - e um ano mais tarde (deve ter sido) o meu irmão mais velho extorquiu-nos alguns cinco tostões para nos revelar o que é que os pais nos tinham comprado numa feira de brinquedos. Lembro-me perfeitamente da cena, ele a saltitar num murete no quintal da avó, e a espezinhar as nossas ilusões mais queridas, a cinco tostões cada espezinhadela. E só agora me ocorre que podia estar a fazer bluff (às tantas, o Menino Jesus ainda existe?!).

No inverno, antes do jantar, víamos desenhos animados nas casas uns dos outros. Eu devia ter cinco ou seis anos, e queria muito saber se os desenhos animados chegavam ao mesmo tempo a todas as casas. À falta de melhor, dediquei-me ao método empírico: fixava a cena que estava a passar na televisão dos vizinhos, corria o mais depressa que podia até à minha casa, ligava a televisão, e verificava se a cena era a mesma. (O Joachim acha que eu chego atrasada a todo o lado porque não considero o tempo que demoro na viagem.) Não consegui chegar a nenhuma conclusão porque, invariavelmente, enquanto a televisão aquecia e as imagens iam procurando o lugar certo no ecrã, eu esquecia como era a cena que tinha visto na casa do vizinho.

Meses depois comecei a interessar-me por outra questão: qual é o tamanho de Deus? Para essa, encontrei facilmente uma resposta. Uma teoria maravilhosa na sua simplicidade.


3 comentários:

jj.amarante disse...

Eu lembro-me de andar a apanhar grilos à noite na Fortaleza da Praia da Rocha mas não me lembro de alguém fazer chichi para tirar grilos dos buracos, no Sul talvez se tenha mais calma para esperar que os grilos apareçam. Essa técnica era comum lá pelo Norte? E os grilos não ficavam cheios de chi-chi?

CNS disse...

Gostei do método empírico :)

Helena Araújo disse...

jj. amarante, eu só sei o que se fazia no redondo ao fundo da minha rua.
Mas estava capaz de arriscar uma brincadeira: a gente lá no Norte trabalha, não tem tempo a perder com esperas aos grilos... ;)
(claro que saíam de lá um bocado molhados - de facto, visto agora, depois do que entretanto aprendi, é um bocado cruel)