31 maio 2015

generosidade

Estão cá em casa três médicas, que vieram a um congresso. Uma delas é uma jovem italiana, amorosa, que me disse que adora bretzel. As outras duas são ucranianas, e sei pouco sobre elas.
Por causa das bretzel ocorreu-me que a italiana podia gostar de ir à Filarmonia, onde há as melhores de Berlim - com manteiga injectada, deliciosas. De modo que lhe perguntei se queria um bilhete para os lugares por trás da orquestra, e aproveitei um intervalo do ensaio da ópera para o ir comprar. Já que estava ali, comprei também para as duas ucranianas, sem saber se queriam ou não (eu sei, eu sei, um dia talvez consiga aprender a não ser tão lorpamente generosa. Mas - que querem? - é muito difícil estar ali, haver bilhetes para a Orquestra Filarmónica de Berlim por 16 euros, e não os levar para alguém que provavelmente nunca mais vai ter essa oportunidade.)

As ucranianas não quiseram os bilhetes. Preferiram ir ao jantar de abertura do congresso.
De modo que eu saí da festa de aniversário da minha filha e fui à Filarmonia vender os malditos bilhetes a quem os quisesse (será que algum dia aprendo a não ser generosa?) (será que algum dia devia aprender a não ser generosa?). Havia várias pessoas a querer despachar os bilhetes em excesso que tinham, e ninguém queria comprar. Provavelmente porque o maestro era "apenas" o Bernard Haitink (fosse o Simon Rattle...) e porque metade do concerto era a décima quinta do Schostakowitsch (também, como é que me deu para, nos tempos que correm, comprar bilhetes para duas ucranianas irem a um concerto de música russa?!)  Tive sorte, lá consegui um casal estrangeiro que gostou do preço. Ao meu lado, uma senhora de idade, que já estava ali há pelo menos meia hora, disse-me que estava a oferecer um bilhete para o bloco B. A oferecer! A senhora estava a pé há mais de meia hora para dar um bilhete para um lugar formidável. Já na semana passada, quando tentei vender dois bilhetes para um concerto só com instrumentos Stradivarius em palco, houve um senhor que deu - deu! - um bilhete para a primeira fila do bloco A à miúda que estava a distribuir folhetos de publicidade. A generosidade destas pessoas não cessa de me surpreender.

No regresso, recebi um sms da italiana: "estou dentro da Filarmonia e acabei de comer a melhor Bretzel que alguma vez fizeram à face da terra!" - e hoje acrescentou que adorou tudo: a música, os músicos, a casa.

Por falar em generosidade: a minha filha fazia ontem 21 anos. Convidou os amigos para um churrasco num parque junto ao rio, ao fundo da rua onde mora. Eles vieram, trouxeram cobertores, comida, música. Assisti a parte dos preparativos, e fiquei fascinada com o modo discreto, eficiente e sem alardes como os seus amigos contribuíram para fazer esta festa. Perto de nós havia um grupo de romenos (talvez ciganos, talvez horrorosamente pobres, talvez vítimas de mafias, talvez mafias) que trouxeram uns nacos de barriga de porco e perguntaram se podiam grelhar naquele fogo. A amiga da Christina que estava de turno no grelhador sorriu-lhes, e assou tudo o que quiseram.

Vinte e um anos. Uma das melhores coisas de ter tido esta filha é o que tenho aprendido com ela (e com outras pessoas que ela traz à minha vida). A Christina faz-me e refaz-me melhor do que eu era.

(Talvez da próxima vez compre de novo bilhetes sem saber se as pessoas os querem. Que seria do nosso mundo sem estes gestos simples de generosidade?)



7 comentários:

Célia disse...

O sentimento resultante da generosidade, que nunca o será por excesso, dilui completamente o da frustração. E será tão mais gratificante quanto o primeiro brota, espontâneo, em si, e o segundo resulta do outro. Vem de fora.

Bom domingo.

Maria J Lourinho disse...

Quando me acontece algo semelhante, tenho tendência a sentir-me simplesmente lorpa, e a dizer-me "é para aprenderes"!Pena que eu não tenha tido uma filha mulher para me ajudar a refazer-me :))))))
Gostei muito.

Paulo Topa disse...

Vê! Cá está a onde de que falo! É mesmo fixe! Anima-me logo o domingo!

Helena Araújo disse...

:) para todos.
Mas deixem-me dizer-lhes que tive sorte em conseguir vender os bilhetes. Ia ficar muito chateada se tivesse perdido 32 euros por causa daquele impulso de comprar bilhetes sem saber se as pessoas querem.

Maria de Jesus Lourinho: os filhos homens também nos refazem! O meu, então...
(sou uma sortuda, sobretudo no que diz respeito aos filhos)

Maria J Lourinho disse...

Eu também sou uma sortuda no que toca aos filhos ( e não só). Foi só uma forma de dizer, Helena :-)

Helena Araújo disse...

Bem me queria parecer!
Há muitos anos ouvi um pai dizer que não há prazer que ultrapasse o de ter filhos adultos. Estou a ver, estou a ver. :)

Lucy disse...

Parabéns! Parabéns a todas e todos nessa família!