06 fevereiro 2015

ecos da questão grega na TV alemã

Em Portugal fala-se muito da posição de força da Alemanha na questão da crise grega. Para informação de quem não entende alemão, deixo aqui algumas informações sobre o que se vai dizendo sobre este problema.   


1.
Günther Jauch, 1.2.15 - O pesadelo do euro - em que direcção leva a ira dos gregos? (vídeo, em alemão)


O programa anunciava-se assim: Alexis Tsipras, o chefe do novo governo da Grécia, está farto da ditadura da austeridade europeia e quer realizar rapidamente muitas das suas promessas eleitorais. Os seus compatriotas estão muito entusiasmados; em contrapartida, a Europa está alarmada: a Grécia está falida, e a interrupção da política de austeridade pode ter consequências.
O debate foi muito curioso: todos os participantes batiam no deputado do CDU, cuja posição era "os gregos não podem esperar que os contribuintes da zona euro paguem as promessas eleitorais do seu governo" e "a culpa não é da Alemanha". Um jornalista grego-alemão louvava a eleição de um partido que não pertence aos instalados no poder, e a esperança que traz para que finalmente se crie uma Grécia moderna, transparente e sem corrupção - e lembrava a situação de catástrofe humanitária que se vive naquele país. A participante do partido die Linke chamou a atenção para a necessidade e a urgência das medidas de apoio social para combater certas situações de catástrofe e chegou a acusar a Alemanha de ter culpa na morte dos gregos que morrem de cancro por não haver dinheiro para os tratar; também culpava a troika por ter feito um programa de reformas à custa dos mais frágeis. Um representante da Alternativa para a Alemanha congratulou-se por haver finalmente alguém que não obedece a Bruxelas (os inimigos dos meus inimigos...). A especialista da ARD para a Bolsa parecia do partido die Linke, e deu números: 1/3 dos gregos vive abaixo do limiar da pobreza, 1/3 vive em risco de pobreza - são sete milhões de pessoas; 150 mil licenciados abandonaram o país, um brain drain assustador; falou em 25 mil empresas que foram à falência, e na taxa de suicídio que aumentou 40%; em suma: uma sangria como nunca se viu; também trouxe à baila o facto de a Alemanha ser a maior especialista em quebrar acordos, pelo que não devia andar agora a repetir que regras são regras.
No decorrer do programa ficou cada vez mais claro que há um problema grave para resolver urgentemente, mas ninguém sabia como. Em todo o caso, a Alemanha e a Europa têm de encontrar rapidamente uma resposta para resolver os problemas da Grécia e evitar o afundamento do euro. Esperar e teimar não é solução. 


2. 
Monitor, 5.2.15 - "Preguiçosos ingratos? O debate sobre a Grécia, e os factos"


Ontem, depois das notícias sobre o encontro entre os ministros das Finanças grego e alemão, o programa Monitor apresentou uma peça de quase cinco minutos desmontando acusações. O vídeo pode ser visto aqui (em alemão); deixo um resumo do que lá foi dito:

Introdução: o tom do encontro parece ter sido amável, mas as frentes estão bem marcadas - do lado de Berlim, a ditadura da austeridade; do lado de Atenas, o não cumprimento dos acordos. Muito se tem falado disto nos últimos dias - mas quanta verdade há nas acusações que fazem ao novo primeiro ministro grego? Um apuramento de factos:

1. Os gregos não pagam impostos
O próprio Ministério das Finanças alemão louva o desempenho - em Janeiro de 2015.
Segundo estatísticas da OCDE o índice de cobrança de impostos medido pela capacidade económica do país é mais alta na Grécia que na Alemanha, e está ao nível médio da zona euro.

2. A Grécia tem demasiados funcionários públicos
É verdade que a Grécia tem mais funcionários públicos que a Alemanha, mas tem muito menos que a Suécia, a Dinamarca ou o Luxemburgo. E nos últimos anos o número de funcionários públicos foi reduzido praticamente para metade. A Alemanha, que tem feito cortes grandes nas despesas públicas, nem por sombras cortou desta forma drástica nas últimas décadas.

3. O escândalo: Tsipras quer contratar de novo 9 mil funcionários públicos - será que quer inverter o sentido das reformas?
Os factos: são funcionários que foram despedidos de forma ilegal. Nove mil de duzentos e vinte mil que nos últimos anos foram despedidos.

4. A acusação mais frequente: os gregos não fizeram as reformas suficientes.
Segundo números da OCDE, a Grécia é, de entre os países em crise, aquele que mais reformas fez. E será que quer voltar atrás com as reformas, como o ministro das Finanças alemão acabou de sugerir na entrevista que deu à ARD? É certo que o novo governo grego quer melhorar os apoios sociais - mas isso até o FMI - um membro da troika - aconselha, num documento de avaliação. Além disso, o programa do novo governo tem muitas medidas muito positivas, e em muitos aspectos continua e até acelera as medidas dos governos anteriores.

Comentário final: parece que os argumentos do ministro grego, que hoje foi recebido em Berlim, não são tão maus como isso. No entanto, o seu colega alemão não mostrou muita compreensão por eles.


3. Noticiário da noite no canal ARD, 5.2.15
* A especialista da Bolsa, que no programa do Günther Jauch falou com tanta empatia das dificuldades dos gregos, lembrou que desde Dezembro de 2014 a banca grega recebeu um pacote de crédito do BCE de 50 mil milhões de euros, ao qual se acrescentará este pacote de emergência de 60 mil milhões - neste curto espaço de tempo, 110 mil milhões de euros. Por outro lado, está a haver uma corrida aos bancos gregos para retirar os depósitos.
* Comentador: O primeiro ministro grego e o seu ministro das Finanças estão a fazer uma viagem difícil e talvez benéfica em direcção à realidade. Viram que ninguém quer mal ao país deles, e que a sua soberania é respeitada - mas a soberania dos outros também. Os eleitores dos outros países não valem menos que os eleitores gregos. Também é normal que se espere que respeitem os acordos - seria impossível fazer acordos internacionais se estes fossem postos em causa de cada vez que há eleições. Seria bom que os gregos reconsiderem quem são os seus inimigos - não são os teimosos de Madrid, Berlim ou Helsínquia que querem torturar os gregos. A Grécia está a receber enormes ajudas, e tem de fazer a sua parte para deixar de precisar de ser ajudada. O novo governo já viu que não tem muita margem no exterior. Em casa, tem alguma margem, e é aí que tem de agir. É bom que esteja a fazer esta viagem pela realidade.
* Resultados de uma sondagem: os alemães estão com o Wolfgang Schäuble
58% entendem que a Grécia deve respeitar o acordado
31% são a favor de alargamento dos prazos de pagamento
 9% são a favor de um hair cut
Os alemães suspeitam que a crise da Grécia os obrigará a pagar mais do que estava planeado, e o medo de uma nova crise económica, já de si alto, aumentou após as eleições na Grécia.


1 comentário:

Júlio de Matos disse...



"Reformas", "reformas"...