13 setembro 2014

o regresso do senhor Oreste

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Lembro-me bem da mercearia do senhor Oreste na aldeia da minha avó. Tinha todos os produtos a granel, e as pessoas pediam "275 gr de arroz" e "um naco de sabão rosa". O arroz era pesado dentro de um pacote de papel grosso, o sabão era cortado na guilhotina (esqueci-me de reparar se era a mesma guilhotina do bacalhau). As conversas ao balcão, as gargalhadas, "hoje o meu home tomou banho e fez a barba, fuosca-se que está que parece um cuzinho de menino", "jazus, mulher, tu que estás a fazer aqui na benda? bai é aprobeitar, caraites!", "ai bou, bou, carailhos me fuadam se não bou, que ele está mesmo a pedir que lhe façam cócegas!"

Lembro-me quando começaram a vender o óleo e as massas em embalagens de plástico, e começaram a usar latas de conserva. Na casa da minha avó surgiu um problema novo: o que fazer com esse lixo? Até então, as cascas e os restos de comida eram para os porcos ou as galinhas, o papel era queimado na lareira onde havia sempre uma fogueira (para cozinhar, para ter água quente), as garrafas de vidro davam jeito para engarrafar o vinho e o azeite.

Uns anos mais tarde abriram supermercados na aldeia da minha avó. Self-service, com todos os produtos exageradamente empacotados. Sem pessoal a servir, nem conversas ao balcão. Por essa altura já a aldeia se tinha organizado para recolher o lixo.

Hoje abre em Berlim um supermercado sem embalagens. As pessoas levam as suas próprias embalagens reutilizáveis. A ideia ocorreu a duas amigas de 24 e 30 anos, no fim de um belo jantar com uns copitos de vinho e um caixote de lixo cheio. Fizeram projectos e contas, divulgaram na internet, e em meia dúzia de dias receberam 70.000 euros em donativos para se lançarem nesta aventura. Curiosamente, a ideia de uma loja sem embalagens já me tinha ocorrido em 1991. Não tinha ainda 30 anos, estava muito infeliz no meu emprego e a pensar no que havia de fazer com o resto da minha vida. Mas, vejo-o agora, naquele momento faltou-me a amiga e os copos de vinho certos.


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Espero que o projecto delas corra bem, e abram um supermercado aqui perto de casa, porque a maior parte do lixo que produzimos são embalagens - em Berlim, são 76 mil toneladas por ano.

Mas o melhor, o melhor de tudo, era se o senhor Oreste voltasse, com os seus sacos enormes pousados no chão e a sua guilhotina, e as mulheres em conversas alegres ao balcão. Talvez seja esse o verdadeiro nicho de mercado: uma mercearia onde se vai estar com as pessoas do bairro, e se aproveita para fazer as compras sem poluir ainda mais o nosso mundo.


2 comentários:

Gi disse...

Mas é que é mesmo. Ou então insistir em conversar com as meninas da caixa do supermercado que se frequenta. Torna-se muito mais simpático.

Helena Araújo disse...

Pois é, Gi, mas isso de conversar com as meninas da caixa, só mesmo se não houver ninguém atrás de nós, cheio de pressa.
E em muitos supermercados já começaram a substituir as meninas por máquinas. Poupar no pessoal, poupar no pessoal...