06 junho 2013

"Ora então, boa noite!" (2)

(continuação da tradução deste artigo do semanário Die Zeit, sobre o programa "Dark Sky" no Alentejo)


Por enquanto, o maior sucesso deste processo de escurecimento foi a certificação do Alentejo como "Starlight Tourism Destination". Esta classificação é atribuída pela Starlight Foundation, uma fundação criada com o apoio da UNESCO e sede em Tenerife, que luta por um céu realmente escuro e com estrelas nítidas, e defende o "direito humano a ver estrelas". O céu nocturno de uma "Starlight Tourism Destination" só pode ter nuvens em metade dos dias do ano, no máximo, e não pode descer abaixo de determinado nível, definido como mínimo aceitável de escuridão. Além disso, tem de haver ofertas de astronomia. O Alentejo foi a primeira região do mundo inteiro a receber esta certificação.
Na noite seguinte, são as estrelas que estão no meu programa. Apolónia deixa-me no Monte Alerta, uma propriedade apenas a alguns quilómetros de Monsaraz, muito perto da barragem do Alqueva. Actividades anunciadas para hoje: stargazing e spa. Por spa entende-se uma massagem à meia-noite, o que me parece, desde logo do ponto de vista conceptual, algo muito promissor.
Vitória recebe-me calorosamente. A sua bisavó já aqui vivia, quando a casa pouco mais era que um celeiro. O seu pai, em contrapartida, gostava da cidade - era um empresário famoso em Lisboa. Vitória fazia uma vida de filha de boas famílias - até que se cansou disso. Regressou à terra dos seus antepassados e arranjou o Monte Alerta a seu gosto. As paredes estão pintadas em tons laranja e cobertas com tapeçarias, nos quartos há móveis antigos. Na casa há até um pequeno auditório com palco - uma ideia de negócio que não resultou. Esperava-se que houvesse aqui encontros de gestores, pequenos simpósios de médicos. Mas eles não vieram. Hoje em dia, Vitória partilha o seu reino com turistas, e o hóspede sente-se imediatamente como se fosse da família. Alguém que pode dormir uma soneca à tarde, para estar preparado para a noite.
A noite começa com stargazing, na casa do vizinho Vasco, que é astrónomo amador e tem um telescópio de metro e meio de comprimento e 30 cm de diâmetro. Ao fim de alguns minutos vejo-me obrigado a concluir que, além de cavaleiro inexperiente, sou um astrónomo amador sem grande préstimo. Qualquer outro teria sabido que a observação das estrelas é absolutamente incompatível com a lua cheia. Antes da viagem, o astrónomo tem de olhar para o calendário lunar!
No Chile, em noites de lua nova no escuríssimo deserto de Atacama, pode-se contar 8000 estrelas. Mas quem se puser a procurar estrelas numa grande cidade, numa noite qualquer, rapidamente chega ao fim da contagem - muitas vezes nem meia centena encontra. Quando a lua brilha, não encontramos no céu sobre a casa de Vasco mais estrelas do que no céu nocturno de Hamburgo. Resultado: nada de Via Láctea, nada de estrelas cadentes. O máximo que consegui ver pelo telescópio foi Saturno com os seus anéis e luas. Irritado, chego à conclusão que o maior poluidor luminoso de todos é a lua.

O alentejano não é lento - recusa o stress


Se há algo a aprender com os alentejanos, é a sua serenidade em relação à vida e à sua terra. Porque, na realidade, o alentejano não é lento como o caracol. É simplesmente sereno. Vitória não se preocupa minimamente ao ver que o luar lhe está a estragar uma das suas dark sky activities mais importantes. E por estar cansada, sugere que a minha tão desejada massagem à meia-noite seja adiada para a manhã seguinte. Esta atitude é contagiosa. Com uma rodela de chouriço na mão ainda tento atrair uma raposa mansa que anda por ali em busca da comida dos gatos, e consigo que chegue a quase um metro de distância. Depois aceno um adeus à lua, que já começa a ter a forma de uma batata, e vou dormir.
No dia seguinte: um pequeno-almoço excelente, piscina, banho de sol. E depois o fantástico tratamento de Vitória, com uma análise breve mas muito clara sobre os meus problemas físicos e emocionais mais importantes (de que só menciono aqui uma palavra-chave: mais humildade!). Dou-me conta de que começam a despontar pensamentos heréticos: fazer férias no Alentejo com programa apenas diurno também seria formidável. Mas isso é um mero rescaldo do meu fiasco na observação das estrelas. Além disso, ainda me espera a noite das noites!
A terceira noite na terra do céu escuro. Canoagem no Guadiana. O meu guia chama-se Francisco. É professor de desporto e tem uma pequena empresa, de nome ligeiramente inchado: "Break! Momentos Fantásticos". Vão-me buscar a um ponto abaixo da barragem do Alqueva. O céu já começa a ficar alaranjado, a terra ganha tons pardos. Remamos com a corrente e contra o vento. Foi boa ideia ter posto calções de banho, porque nos molhamos bastante. O que não é problema, porque mesmo neste princípio de Verão a água já está quase tão quente como na banheira: 26 graus. O rio fica cada vez mais escuro. As árvores da margem ganham contornos fantasmagóricos. O silêncio pousa na água. Um cão ladra - ou será um lobo? Por cima das nossas cabeças planam grous. Repentinamente ouço barulho na água, e um barbo gordo salta para a canoa. Do tamanho do meu braço! E salta à volta das minhas pernas nuas. Em pânico, atiro-o borda fora. O Francisco desata a rir por causa do passageiro clandestino e da minha reacção pouco profissional. Tinha dado um jantar perfeito! Depois mostra-me a Cassiopeia, o Escorpião e o Leão. É um facto: nesta terra percebem mais de estrelas do que na nossa.
Quando finalmente a canoa está de novo para terra, nada mais me prende: salto para o caldo morno, ponho-me a boiar de costas, e deixo-me deslizar com a corrente. Dark sky - isso mesmo! Hoje a lua só virá dentro de uma hora. É uma maravilha estar dentro da água quente e escura, e concentrar-se apenas a saborear as estrelas.
Mergulho em grandes pensamentos. Sobre luz, sombra e escuridão. Sobre um Deus que disse "haja luz!" Sobre o medo alemão de que a luz se apague. Sobre a luz da civilização, o iluminismo e a razão. E sobre a eterna atracção do sombrio romantismo.        
 

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