16 maio 2013

ainda Weimar




No domingo de manhã estacionámos os carros junto a esta escultura (pareceu-nos um guarda muito atento) e fomos visitar a Römisches Haus - a residência de Verão do Grão-Duque, em parte desenhada por Goethe. Numa das suas viagens a Itália andou a juntar ideias para uma casinha catita, e o resultado foi este pastiche anacrónico (bem, naquele tempo não se chamava anacrónico, chamava-se classicista), no topo de um canyon,


com uma fantástica vista para o parque,





ainda que um pouco distorcida.

(foto de cjs, estimado leitor deste blogue)

Continuámos a maratona cultural. Weimar precisa de uns bons três ou quatro dias, mas nós tínhamos apenas o fim-de-semana. O Palácio - com uma bela colecção de Cranach, outra de arte sacra medieval,  o gabinete de curiosidades, uma pinacoteca espalhada pelos salões magníficos, e ainda peças do enxoval da Maria Pawlowna, filha do czar, que me fez pensar na ironia desse luxo usado como cenário de violações consentidas por razões de Estado, mas talvez esteja agora a cair no erro do anacronismo, como o Goethe (não sei se repararam, acabei de tentar içar-me ao pedestal dele, se não o consigo igualar no génio, ao menos nas fraquezas).



Entrámos na igreja do Herder com o seu tríptico de Cranach, e corremos para o mausoléu da família ducal, onde repousam também Goethe e "Schiller". Entre aspas, porque Schiller teve um funeral de escritor pobre, e quando se lembraram de o levar para perto dos outros agarraram nos ossos que encontraram, mas pelos vistos já nenhum era dele. Vai ser bonito, quando o Goethe ressuscitar, olhar para o Schiller e disser "eh, pá, a morte transfigurou-te muito, até pareces o meu cocheiro". O que, em Goethe, provavelmente será algo do género "ignorância deste mundo, inexperiência dos cânticos eternos / - que ilusão da verdade me abriu os olhos? /Que não vos reconheço, meu dilecto amigo / e em vez do admirável companheiro de altos voos / um comezinho parceiro da rasa estrada apenas vejo."

Deixámos Goethe, fomos a Buchenwald - isto é Weimar.





Ao fundo do campo, perto do edifício com a exposição dedicada às vítimas do campo de concentração reaberto pelos russos, há na floresta um enorme memorial: barras de metal entre as árvores, assinalando corpos  sem nome.



Numa clareira, os familiares das vítimas - que só após a queda do muro, em 1989, puderam entrar no campo que já fora fechado em 1950 - deixaram cruzes contra meio século de humilhação surda: "Fulano, inocente", "Fulano, reabilitado".







Parámos ainda na placa de metal com a nacionalidade das vítimas, permanentemente aquecida a 37º - a temperatura do corpo humano. Pousar a mão naquela superfície tépida, e ser tocado pelo horror do campo. As fotografias, a prisão, os fornos, os ganchos do crematório - tudo isso aconteceu a "eles", há muitas décadas. Mas aquela chapa devolve-me o "nós" e resgata-os da História para os misturar comigo: o calor do seu corpo vivo igual ao meu.

***

Antes do regresso a Berlim, passeámos ainda por Erfurt. A capital da Turíngia é uma cidade pouco conhecida, quase sem turistas. Merecia mais fama: uma cidade medieval muito bonita e bastante sossegada, cheia de História e com um extraordinário conjunto de igrejas, incluindo a do Mestre Eckhart, incluindo o mosteiro onde Martinho Lutero andou antes de resolver mudar de vida e enviar a humanidade rumo ao neoliberalismo. 
Uma boa maneira de acabar um domingo. Com chuva e sol, arco-íris e ponte medieval com uma rua dentro - dizem que é a mais longa da Europa, mas no grupo havia resistentes que diziam que a de Rialto, e que a Vecchio, ah, essas é que talicoisa! (uma pessoa mete-se com gente do Sul, e é isto, um dia destes ainda são capazes de afirmar que Atenas não foi descoberta pelos alemães...)






 ("aqui viveu Franz, o gato da ponte, de 1993 a 2010")
 


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