10 abril 2013

Rurrenabaque




Era uma vez quatro: um americano, um suíço, um austríaco e um israelita. Um dia, em 1981, partiram para uma aventura na Amazónia boliviana. Ao perceberem que estavam muito mal preparados para a selva, o suíço e o austríaco resolveram regressar a La Paz - e nunca mais foram vistos. O americano caiu da canoa encalhada contra uma rocha e teve muita sorte porque rapidamente foi descoberto por um pescador, e o israelita andou perdido vinte dias entre caimões, cobras venenosas e piranhas, até que um grupo de indígenas enviado pelo americano o encontrou. Por essa altura já tinha quase duzentos ninhos subcutâneos de larvas, contou-nos o nosso guia Einar, ainda horrorizado, enquanto apreciávamos o pôr-do-sol no rio do nosso barco.
O israelita chama-se Yossi Ghinsberg e escreveu o livro "Back from River Tuichi", publicado em hebraico e inglês, que é responsável por uma extraordinária onda de turistas israelitas em Rurrenabaque. Lazaro Nava é o homem que o encontrou.
Yossi Ghinsberg regressou à selva para agradecer ao seu salvador e lhe dar algum dinheiro, mas Lazaro disse que não precisava daquele dinheiro para nada, porque nem sabia o que fazer com ele. Então Yossi deu-lhe comida, e um motor para um barco. Assim nasceu a exploração turística daquela parte da bacia amazónica. Hoje em dia Rurrenabaque tem um pequeno aeroporto e inúmeras agências de viagens que exploram circuitos na selva (parque nacional Madidi) e na região alagada da Pampa.

Dois dos seus filhos, Faizar e Mogli, são guias turísticos. O Faizar estava com um grupo de turistas na nossa lodge. Quando viu um ajudante de cozinha a brandir uma folha comprida à frente do Pedro, para este abrir a boca e mostrar com quantos dentes se faz um caimão, ralhou muito zangado: "Não o incomodes! É um animal!"

O Einar contou-nos que há cerca de dez anos o pai de Feizar estava a mostrar ao um grupo de turistas uma anaconda que descobrira, e estes insistiram com ele para que lhe pegasse - "tu és da selva, podes tocar-lhe". Ele tocou, e a anaconda enrolou-se logo à sua volta. Sempre que ele expirava, ela apertava um pouco mais. Os turistas faziam fotografias muito satisfeitos, pensando que tudo aquilo fazia parte do show. Quando o Einar chegou ao local, o Lazaro já estava roxo. "Vocês são parvos, ou quê?!", gritou ele aos turistas, e começou a desenrolar a cobra. Os outros ajudaram, e juntos conseguiram salvar o Lazaro, que ainda só tinha duas costelas partidas. Nunca mais conseguiu respirar sem dores.
- E porque não mataste a cobra, Einar?, perguntou um do nosso grupo.
- Porque era desigual e injusto: dezasseis contra um, e fomos nós que invadimos o território dela.

Depois de três dias na Pampa, a deslizar pela madrugada num barco com o motor desligado, a nadar com golfinhos e a apreciar o pôr-do-sol ao ronronar de conversas, Rurrenabaque com os seus oito mil habitantes pareceu-nos um centro urbano insuportavelmente buliçoso e barulhento. Um stress.
Pior ainda: no restaurante, crianças vinham ter connosco, ficavam encostadas à nossa mesa, à espera que lhes déssemos uma esmola. Não porque precisassem, mas por desporto. Que saudades daquele Lazaro de Rousseau, que não precisava de dinheiro porque a selva lhe dava tudo!




  ferry boat no rio Beni 

o táxi que nos levou ao aeroporto

aeroporto - pista de aterragem 

5 comentários:

Carla R. disse...

Quando trabalhava senti muitas vezes isso que dizes das crianças, a pedir, ou a ganhar dinheiro de que não precisava, que a vida mesmo na cidade não me exigia tanto.

Helena Araújo disse...

És o Lazaro de Paris! :)
O Rousseau nasceu demasiado cedo num mundo demasiado velho. Podia ter esperado uns anitos, conhecia-te, e morria feliz.
(Eu brinco, brinco, mas a primeira coisa que me ocorreu foi: pensa na tua reforma, mulher. Se não precisas hoje, tanto melhor, vais guardando para amanhã. Mas não o guardes num banco cipriota.) (Decididamente, o bom selvagem não passou por aqui.)

Carla R. disse...

Ahahahaha ! Eu e o Rousseau toda uma historia que se perdeu.
Tudo o que eu queria era gastar tudo o que tenho rapidamente, tu sabes como. Hoje estou viva, para o ano não sei e quanto à reforma ando a trabalhar num plano B.
Estas tuas ultimas semanas parecem-me um sonho, também não fazia ideia que a Bolivia fosse assim, tanta informação, tanta informação e depois não se conhece o mundo. Não percas nenhum contacto, espero vir a pedir-te daqui a uns tempos.

Helena Araújo disse...

Acredita que me fartei de pensar em ti, e trouxe os contactos de toda a gente!
(mas quem realmente conhece a Bolívia é o Vítor - eu fui uma mera turista acidental)

Carla R. disse...

Obrigada, obrigada ! :)