20 março 2013

perspectivas diferentes sobre a questão do Chipre

Ontem, o noticiário da noite na ZDF (heute journal) explicava que a não-aceitação das condições do grupo euro representa sobretudo um gesto de salvaguarda da honra e da dignidade dos cipriotas. Depois entrevistava o ministro das finanças alemão, que dizia que é ilógico meter dinheiro num país que insiste em prosseguir um modelo económico falido. Os cipriotas podem decidir não aceitar as condições do grupo euro, mas não podem obrigar este grupo a tomar decisões que para ele não fazem sentido. Finalmente, o locutor avisava que, apesar de o peso da economia cipriota no conjunto europeu ser de 0,2%, não se sabe bem que consequências podem advir de uma onda de insegurança no sistema financeiro, e o que poderia acontecer na já tão martirizada Grécia, principal parceiro do Chipre.

No noticiário da ARD (mais conservador), o mesmo ministro era entrevistado e dizia mais ou menos o mesmo. À pergunta "no caso da recusa cipriota das condições do programa, deixariam o país ir à falência?" ele respondeu (vou abreviar de uma forma grosseira) "essa questão está mal formulada - o Chipre já está na falência."
Seguiu-se um comentário que sei que vai provocar celeuma, mas parece-me importante mostrar outras perspectivas. Passo a traduzir a opinião de Rolf-Dieter Krause, correspondente da ARD em Bruxelas:


Pacote de ajuda da UE recusado 

O Chipre joga - e espera que a Europa pague

De algum modo podemos imaginar como é que o Chipre chegou a este atoleiro, do qual espera agora ser salvo. O Parlamento cipriota está a jogar, como fez durante décadas com o seu sistema bancário sobredimensionado - até ao seu descarrilamento. 


Já é surpreendente com que à-vontade o Estado espera que os contribuintes europeus assumam as consequências dessa jogatana. Subentende-se que haverá aqui um cálculo: a falência dos bancos e do Estado acarretaria danos à zona euro. 


Contudo, há muitas dúvidas a esse respeito. A falência só traria danos de vulto à Grécia, que seriam limitados com os mecanismos de protecção que já existem. Não, a presença do Chipre na zona euro é desejada - mas não é essencial, e não constitui um perigo para ela. 

Apresentação diletante do pacote de salvação

Esse facto torna evidente a generosidade da oferta europeia, apesar de ter sido apresentada de forma tão diletante que provocou imediatamente uma reacção de medo.  

Sem ajuda exterior, os clientes dos bancos cipriotas iriam perder provavelmente todos os seus depósitos. Com esta ajuda, pelo menos salvam 90%. Outros rezariam uma acção de graças, mas no Chipre chama-se a isto "genocídio financeiro". Perdão, como disse?

Se o grupo euro ceder neste ponto, perde toda a credibilidade e torna-se vulnerável a novas chantagens. Infelizmente, o ministro das finanças alemão não se exprimiu de forma suficientemente clara a este respeito. Ninguém deseja a falência do Chipre, mas se esse país faz tanta questão de avançar nesse rumo, não deve ser impedido. Seguir-se-iam dias turbulentos, mas suportáveis; para a higiene política na Europa seria muito positivo. Ia deixar bem claro que a responsabilidade pelo seu próprio destino não pode ser atirada para os outros. Começa a ser necessário deixar isso claro.


***

Parece-me que a banda sonora adequada é esta:


4 comentários:

maria n. disse...

Podes juntar a perspectiva dos cipriotas? (está em inglês)

http://www.cyprus.com/cyprus-bailout-stupidity-short-sightedness-something-else-.html

sem-se-ver disse...

obrigada, maria n :)

Helena Araújo disse...

Este texto é muito bom, maria n.
Estou com a sem-se-ver: obrigada!
(e vou fazer novo post)

maria n. disse...

Ora essa, de nada :-)