21 março 2013

o contraditório do contraditório nesta conversa sobre o Chipre

Naquele a que chamei "último texto - até ver - sobre o Chipre" apareceu um comentário tão interessante que resolvi trazê-lo para a primeira página.

Quanto mais leio, mais me parece que só sei que nada sei.
O sobressalto à volta do Chipre deu-me uma grande lição: cuidado com o modo como adjectivamos (malditos mercados, malditos bancos), cuidado com o que desejamos (hair cuts nas dívidas públicas dos países, os bancos deviam era ir todos à falência). A realidade mostra-se bem mais complexa e dolorosa do que as nossas tiradas simplistas quando olhamos apenas para um ponto da questão.

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Helena,
Quando li o seu post fiquei com a sensação de algo não batia certo, tal como só 20% dos depósitos estarem nas mãos dos russos.
Acabei de ler um artigo do Krugman que fez as contas e que também teve o mesmo feeling. 
http://krugman.blogs.nytimes.com/2013/03/21/cyprus-the-sum-of-all-fubar/
Outro aspecto que refere no post seguinte - a proveinência de 1/3 do financiamento por parte dos bancos cipriotas, não é uma medida inédita. A Irlanda teve um programa de montantes superiores ao nosso, com a particularidade de que 1/4 desse valor veio de uma contribuição interna. Ambas crises, Irlandesa e Cipriota, se devem a crises de sectores financeiros que possuem dimensões muito superiores aos PIBs dos respectivos países.
Por mim, o ideal deixava-se falir os bancos em questão e segurar os depósitos até 100 000 euros aos residentes, com intervenção do BCE, o que se deveria ter feito ao BPN.
Há mais bancos no mercado. 
Mantinha-se o principio da segurança dos depositantes de acordo com que foi estabelecido em 2008. 100000 euros, por banco e por titular, quem tiver mais do que isso, que diversifique os bancos. Quem tiver muito mais do que isto, que invista na economia local.
Quem tiver muito mais do que isto, e o colocar num depósito a prazo num só banco, que se responsabilize pelo risco que tomou no remanscente dos 100 000 euros. A regra não é de hoje, é de 2008 e vem escrita em todos os contratos de depósito.
Outro aspecto, se os Russos não tivessem culpa na crise criada, porque prometeram adiantar de imediato 2,5 mil milhões de euros? (empréstimo que ameaçam não efectuar caso aceitem o plano Europeu).
Quanto ao desamparo europeus nos últimos nove meses, O BCE tem vindo a comprar obrigações cipriotas nos OMTs. Por essas e por outras, Draghi merecia um pedacinho no céu (só não o deve ter ainda porque ainda não conseguiu que PT tb tivesses direito aos OMT, mas aos poucos ele está a consegui-lo e não o Gaspar como tanto nos querem fazer crer)
Na semana passada no Les Echos vi um artigo muitíssimo interessante sobre a geopolítica do conflito cipriota. Na eventualidade de chipre poder extrair gás, isto só acontecerá lá para 2019. Entretanto a Gazprom, face ao insucesso constante da europeização da turquia, tem aproveitado a insatisfação turca perante os europeus e acentuado as suas acções de prospecção no sul da Turquia. A construção do gasoduto que traga gás do Norte de África para a Europa, perante os conflitos jihaidistas cada vez mais é uma miragem. No entanto no mediterrâneo, onde as descobertas têm sido mais frutíferas, a Turquia tem a maioria das probabilidades de se tornar o melhor spot. Há algumas empresas europeias que têm licenças, mas a Rússia tem intenção de monopolizar a distribuição e tem vindo a adquirir algumas posições europeias.
Resta Chipre, que ironicamente possui as reservas mais rentáveis no lado turco, e algumas menos rentáveis no lado grego. Para as empresas europeias de Extração de gás, que na sua maioria tb já investiram na Turquia, poderem extrair em Chipre, fragilizariam o seu poder negocial perante os Turcos. A Gazprom, segundo Les Echo, pode estar a fazer jogo duplo, de promessa de prospecção em Chipre, mas face a um impasse turco, poderão deixar CHipre em Standby, o que me faz lembrar um pouco a eterna promessa da extração de petróleo em São Tomé e Príncipe.
A Europa, essa... fica assim encurralada energeticamente pelos Russos. Aí os eternos receios alemães perante uma crise inflacionária terão razão de ser.

É tudo demasiado complicado e perigoso para se tomar um partido por um lado ou por um outro.
Depois de ler o artigo do Les Echos, que não estou a encontrar, fiquei com a sensação de que perder 6% num depósito a prazo era mesmo um mal menor.

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