O plano de ajuda lançado pelo Eurogrupo, tendo como contrapartida um imposto sobre os depósitos bancários em Chipre, suscitou violentas reações. A Alemanha é frequentemente acusada de ter querido castigar um país em dificuldades. No entanto, não é a chanceler a responsável pelos erros da ilha, recorda um economista.

A culpa por esta última crise do euro não é dos cipriotas, é de Angela Merkel e do seu Governo, e não percam tempo à procura de explicações. A culpa não é de um setor bancário hipertrofiado que chegou a deter 128 mil milhões em ativos, num país com um PIB de 17 mil milhões: é de Merkel.
A culpa não é dos bancos que não hesitaram em aceitar 21 mil milhões de oligarcas russos e outro tanto de milionários árabes (de difícil justificação), sem fazer perguntas, como chamaram a atenção, em novembro de 2012, os serviços secretos alemães. Estavam a praticar o International Personal Banking e a "otimização fiscal" e Merkel, em contrapartida, é de moral protestante.
A culpa não é sequer dos gestores que, por patriotismo (Chipre é metade grego), investiram 50% – sim, 50% – em obrigações gregas, apesar de saberem que corriam o risco de perder tudo. Não: é de Merkel.
A culpa não é de Sigmar Gabriel, o simpático líder social-democrata alemão, que retirou à chanceler todas as hipóteses de bater em retirada: "Não posso imaginar os contribuintes alemães a salvarem bancos cipriotas, cujo modelo de negócio se baseia na ajuda à evasão fiscal”. Não: a culpa toda é de Merkel, claro.

Acabar com a mama do sistema financeiro

Tão-pouco é do patético ex-Presidente cipriota, o comunista Dimitris Christofias, um autocrata formado no Komsomol soviético (daí, talvez, tantas contas russas), que nem sequer consultava os seus ministros, o parlamento ou o Banco Central. The Guardian, um diário insuspeito de animosidade, acusou-o, em dezembro, de conduzir o país "para uma situação lamentável". Foi Christofias quem teimou em manter no porto o barco com armas para o Hezbollah, que explodiu em 2011 e levou pelos ares a única central elétrica do país.
Também apoiou o presidente de um dos grandes bancos, o Marfin Laiki, quando este transferiu a sua sede para a Grécia, apesar da oposição do Banco Central. A sua última parvoíce foi não negociar a integração da sua banca com a banca grega, quando foi decidido o famoso cancelamento parcial. Aí, este génio da economia, afundou o país. Mas não: a culpa é de Merkel.
Tão-pouco parece que a responsabilidade seja do brilhante sucessor, Nicos Anastasiades, um dirigente fraco que aposta na cartada de "culpar a Europa por tudo o que tenho de fazer". Anastasiades apoia-se em meias verdades para depauperar os depósitos do seu povo, em vez de começar por apresentar a fatura aos acionistas e aos credores dos bancos. Mas, claro, isso implicaria acabar com a mama do sistema financeiro que criaram e do qual esperam continuar a viver. Schäuble recordou ontem que o assalto aos depositantes não é uma ideia alemã. Mas não: a culpa é de Merkel.
E é também de Merkel, por permitir que o tal Anastasiades jogue agora com o prestígio da zona euro, como antes fez Papandreu. E porque, há quatro anos, não foi firme e não vetou a entrada de Chipre na moeda única. Porque se deixou enganar pela certificação da OCDE de que eram cumpridas 40 normas antibranqueamento. E, já agora, de Christine Lagarde, do FMI, que a apoiou. Recordam-se de quem entregou ao ministro grego a lista de evasores fiscais, aquela que se perdeu? O que não saberá Lagarde sobre a banca cipriota! Mas não: a culpa é de Merkel. E é melhor que seja, porque qualquer outra consideração deixar-nos-ia desprotegidos perante a nossa própria ignorância.