06 fevereiro 2013

Berlinale 2013 (4)

(foto)


Os bilhetes para o Terra de Ninguém já cá cantam, ufff.
Mas é claro que os lugares para a estreia de Gold, o western alemão com a Nina Hoss, esgotaram muito antes de eu começar a ver o branco do olho do senhor da caixa. Adiante.
Também arranjei bilhetes para Shirley - Visions of Reality, e Mes Seances de Lutte, sem saber bem o que nos espera. Veremos. Literalmente.

Esta manhã as pessoas da fila estavam muito conversadoras. Havia a senhora de certa idade que só queria comprar um bilhete para um filme, e era porque uma amiga dela aparecia nele. Mesmo atrás dela um rapaz comentou que tinha participado na produção, que também queria ver esse. A mulher que chegou logo a seguir a mim, uma jovem muito elegante, ia tentar ver o filme russo e precisava de quem lhe comprasse um terceiro bilhete. Disse-lhe que também tinha pensado ver esse, mas estava ainda em dúvida, e perguntei porque é que ela o achava interessante. Ela respondeu com um sorriso "porque sou russa". Ah, bom. O homem atrás dela falava português (só o suficiente para se armar um bocadinho). A mulher à minha frente era filha de um grego e uma inglesa. Pouco antes da abertura das caixas, às dez da manhã, um do funcionários veio falar com o jovem que tinha participado no tal filme, e este deu-lhe vinte euros. Nós começámos todos a rir, o funcionário disse com uma piscadela de olhos "era dinheiro que ele me devia" e nós respondemos que também lhe queríamos dever dinheiro, eu cá até estava disposta a dever-lhe cinquenta euros. Galhofa geral. A senhora de casaco claro afligia-se toda ao telefone "então a première não é às duas da tarde?", perguntava ela, e eu a deduzir que estava a confundir (como eu, quando era nova) o P de Presse com première. Desligou o telemóvel, expliquei-lhe. A russa começou a temer que não houvesse bilhetes para o Dolgaya-coiso quando chegasse a vez dela. Falámos de outras possibilidades. O homem que falava português ouviu-me dizer "Shirley" e meteu-se na conversa, perguntou se já conhecíamos o Cinestar Event, onde esse filme vai passar, disse que deve ter o maior ecrã de Berlim a seguir ao Friedrichsstadt Palast, mas este ainda tem o palco à frente. Ah, muito me conta. Disse que esse filme tem mais de vinte anos, e que já viu alguns episódios. Para intelectuais, confirmou. Pois, que isto é a Berlinale!, acrescentou. Agora vejo que se enganou um pouco: o filme é de 2012. A anglo-helénica (será assim que se diz?) estava interessada no Rock the Casbah, que eu vou ver na sexta-feira. Falámos um bocadinho de Israel e da Palestina, ela dizia que a indústria do armamento ganha tanto dinheiro com aquele conflito, que ele não vai acabar nunca. Eu não iria tão longe - estava apenas a pensar que este é mais um daqueles filmes em que se percebem os dois lados, se percebem as razões dos dois lados, mas a realidade é que as pessoas continuam a morrer, e é na morte que recebem a razão absoluta, que de nada lhes aproveita. E nós continuamos a ver estes filmes e a sofrer com eles.
Estávamos cada vez mais perto da caixa. No ecrã, havia já muitos filmes com vermelho e amarelo. Ai. A russa combinou comigo um plano B, caso o Dolgoya-coiso de Sábado esgotasse. O filme da amiga da actriz esgotou, e ela desapareceu da cena. A grega pediu-me que lhe comprasse mais um bilhete. O homem dos filmes intelectuais enfiou o nariz no programa. Eu apercebi-me - pouco antes de saltar para a caixa - que o filme polaco "W imie", sobre um padre que pelos vistos esconde de si próprio que tem tendências homossexuais, ainda tinha bilhetes para o sábado de manhã. Compro? Não compro? Felizmente lembrei-me a tempo que no sábado de manhã vou estar na fila a tentar comprar bilhetes para o Pardé, do Jafar Panahi. É que nem pensar em perder esse!
Depois fomos cada um para a sua caixa, a grega-inglesa passou por mim e segredou "aquele que te pedi já está esgotado, adeus!", a russa pagou-me os bilhetes que comprei para ela e agradeceu dez vezes, e fomos à vida.
Amanhã há mais.

8 comentários:

Gi disse...

Pronto, já sei o que nunca veria mesmo que morasse em Berlim, porque não ia ter paciência para essas aventuras nas bilheteiras.
Fico pelas tuas reportagens :-)

Helena Araújo disse...

Gi, tudo isto faz parte. Também há outras maneiras (internet, compras no próprio dia, etc.). Mas quem quer apanhar determinados filmes, e quem quer ir às premiéres no Berlinale Palast, ou "deve dinheiro" a alguém da caixa, ou então vai ter de ficar na fila. Há quem durma em frente à caixa para ter a certeza que arranja o bilhete...
(mas eu ainda não cheguei a essa fase de "berlinice")

Annie disse...

Como eu gostaria assitir à Berlinale....Nós por cá tivemos agora há pouco a "KINO" um festival de cinema alemão organizado pelo o Goethe Institut em Lisboa. O programa era, obviamente, muito mais pequeno, mas mesmo assim ainda passei algum tempo a estudar os filmes e a escolha foi bem dificil. Falando em Nina Hoss, a abertura foi o filme "Barbara" ...e o encerramento foi "Was bleibt" com Corinna Harfouch e Lars Eidinger...Talvez para o ano teremos a sorte em ver o western alemão com a Nina H.

Helena Araújo disse...

E que tal era o Barbara, Annie?
Falaram muito dele, mas não senti vontade de o ir ver.

sem-se-ver disse...

adoro estes teus relatos :)


(bom bom bom teres apanhado pro 'nosso'!)

Helena Araújo disse...

Ainda bem que gostas!
(é que eu pergunto-me sempre se isto interessa a alguém...)

Annie disse...

Nós vamos sempre todos os anos à abertura do festival e não especialmente por causa deste filme. Gostamos do ambiente, do convívio, das pessoas... Mas sim, todos nós gostamos do filme. Sabia que era um filme sobre a RDA e não estava à espera de um cenário tão "colorido". Pensava que seria algo mais "cinzento" como a "A vida dos outros". Se tivesse na Alemanha provávelmente não tinha ido ao cinema ver o filme, mas como estou longe aproveito tudo e mais alguma coisa. Acho que o Goethe podia ter escolhido "Pünktchen und Anton" como filme de abertura e nós estaríamos lá...;-)

Helena Araújo disse...

:)

Eu gostei muito de "A Vida dos Outros". Mas achei que esse Barbara devia ser cinzento como o Halbe Treppe - e não me apeteceu. Se calhar fiz mal.