18 agosto 2012

Wladimir Kaminer, sobre as Pussy Riot

Ontem, para o noticiário da noite, a ZDF convidou Wladimir Kaminer, o escritor russo que vive em Berlim, a comentar a notícia da prisão das Pussy Riot. Para ver o vídeo, gravado ontem em São Petersburgo, carreguem na imagem.


Tradução (rapidíssima, que hoje é sábado e está um sol fantástico):

"Dois anos de prisão por cantarem durante trinta segundos numa igreja - foi o que deram hoje às três miúdas do Pussy Riot. De mais a mais na Rússia, cujo povo se considera o último mensageiro do cristianismo, o último povo do mundo a ser cristianizado - é pena que seja justamente Putin quem vai agora neste barco. Mas pelo menos a partir de hoje ficámos a saber de que é que este regime tem medo: não é da oposição política, não é da opinião do Ocidente - este regime só tem medo de raparigas que sabem cantar. Esta sentença deixou-me furioso. Contava com uma sentença muito mais leve. Para ser sincero, acreditei que as três sairiam hoje em liberdade. Penso que era a última possibilidade para o governo russo conseguir sair deste beco sem saída. Eles não aproveitaram essa oportunidade, e a consequência é que os protestos passam para um patamar mais elevado. Cada vez mais jovens vão para a rua manifestar-se, muitos dos que até agora não se interessavam por política foram despertados por este caso. As miúdas do Pussy Riot levaram a política para dentro de cada casa, de cada apartamento - e por isso deviam receber os maiores elogios. Só é pena que, em vez de voltarem para casa, para os seus maridos e filhos, têm de ir para a cadeia. Mas a última palavra ainda está por dizer."

***

"Sabem cantar", bom, é como quem diz...
Parafraseando a tão célebre tirada sobre liberdade de expressão: não gosto do modo como cantas, não gosto dos sítios que escolhes para cantar - mas seria capaz de dar a vida para que tu possas continuar a cantar.

"Dar a vida", bom, é como quem diz...
E no entanto, se não nos empenharmos a fundo na denúncia de atropelos destes, estamos a abrir mão da nossa dignidade - e o que vale a vida, se a vivemos como ratos?
Isto não é só a Rússia, e não é só Putin. O Kaminer começa por lembrar a responsabilidade dos cristãos: é inadmissível que em nome dos sentimentos religiosos feridos se mandem estas mulheres para a cadeia. Será que o Vaticano e os bispos das igrejas protestantes já tiveram uma conversa fraterna sobre o assunto com o patriarca de Moscovo? E nós, cristãos de todo o mundo: qual é a nossa posição pública perante esta traição à mensagem de Jesus Cristo?


(foto encontrada aqui)

5 comentários:

Lucy disse...

Ontem ao ver a notícia estava mesmo a desejar saber qual seria a opinião dele sobre o assunto. Obrigada por a partilhares assim como a tua que partilho inteiramente.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Duvido que o patriarca de Moscovo esteja particularmente interessado em seguir os ensinamentos de Cristo. Manter-se amigo de Putin, ter voz activa nos círculos do poder, isso sim. E poder sempre usar relógios de quarenta mil dólares.

Helena Araújo disse...

Lucy,
já antes ele tinha dito, a um jornal berlinense, algo como "mal começou a recuperar das décadas de destruição sob o totalitarismo, a Igreja está a tornar-se ela própria uma instituição totalitária".

José Luiz Sarmento,
Pois parece que é isso mesmo. Infelizmente.

António P. disse...

Bom dia Helena,
..."sabem cantar"??!!:)
..."dar a vida" ??!! :)
A "responsabilidades dos cristâos" ?? O que é isso ? Desde que passou a seeita com capital e tudo o cristianismo é isso mmesmo: uma seita e não há volta a dar-lhe.
Bom resto de domingo, com sol de preferência.

Helena Araújo disse...

Olá António,
também não as acha muito confundíveis com a Callas, pois não? ;-)

"Dar a vida" é uma forma de dizer, claro. Como é a frase certa? "não concordo com o que dizes, mas seria capaz de morrer para que tu o possas dizer".

Quanto à seita do cristianismo, vá... Para já, cristãos há muitos, e mesmo dentro das Igrejas há muitas sensibilidades diferentes. Não diria que é uma seita, mas uma instituição (várias, aliás) com estratégias de poder.
Este castigo brutal para uma blasfémia tão palerma desagrada-me muito: parece uma sharia cristã.