31 agosto 2012

o passeio dos alegres (7)


Para terça-feira estava previsto irmos ao campo de concentração de Sachsenhausen, um campo de concentração que era também escola dos SS, a 60 km de Berlim. Por isso, às dez da manhã estávamos junto ao semáforo histórico da Potsdamer Platz, para sair com os guias (espanhol e inglês) em direcção à cidade de Oranienburg.
A visita guiada é bastante completa: começam por falar do fim de primeira guerra mundial, das várias crises ao longo dos anos vinte, da rapidez com que Hitler, a partir de uma eleição democrática, toma para si poderes de excepção e se instala no poder. Já tínhamos visto isso na exposição na cúpula do Reichstag, no dia anterior: a 30 de Janeiro Hindenburg nomeia-o chanceler, a 27 de Fevereiro o Reichstag está a arder, Hitler está perto e entra no edifício, fazendo no meio das chamas um discurso excitado sobre a ameaça comunista e a necessidade de a combater sem dó nem piedade. Declara-se o estado de sítio, Hitler recebe poderes excepcionais para os próximos trinta dias, dos quais nunca mais abrirá mão. Os comunistas e os socialistas são metidos na cadeia, e é criado o primeiro campo de concentração, Dachau.
Em Oranienburg usa-se uma antiga fábrica de cerveja para meter os primeiros presos políticos. Em 1936 faz-se um campo de concentração que deve ser "modelar".
Um campo modelo: a forma triangular; as barracas dispostas em leque; a organização dos espaços de forma a ser facilmente ampliado; a construção de fábricas à volta do campo para usar a mão-de-obra escrava; a torre sobre a porta da entrada, da qual um único homem com uma metralhadora pode controlar todo o campo; os nomes cínicos dos edifícios (A o da entrada, Z o dos fornos crematórios, do falso gabinete médico e da câmara de gás, "entras pelo A, sais pelo Z").
A guia começa por nos falar do contributo do campo de Sachsenhausen para a qualidade da nossa vida: a tuberculose, a pílula, os psicofármacos (antidepressivos, estimulantes) - muitos medicamentos que empresas farmacêuticas alemãs puseram no mercado após a guerra foram desenvolvidos usando os prisioneiros desse campo como cobaias.
Quase duas horas mais tarde explicará um refinado detalhe da máquina nazi: o dispositivo para matar soldados russos com um tiro da nuca. Já o conhecia de Buchenwald, mas não tinha ainda percebido porque matavam uns assim, com tanto cuidado para eles não repararem que iam morrer, enquanto outros eram simplesmente fuzilados, e até obrigados a cavar a sua própria sepultura antes de serem assassinados.
Os soldados russos eram levados ao bloco Z, onde um "médico" lhes fazia uma curta inspecção. Os que tinham dentes de ouro eram marcados, e levados para uma sala onde eram encostados a uma barra de medição da altura. Por trás dessa barra abria-se uma portada estreita, um soldado apontava a arma à nuca do prisioneiro e matava-o. Os outros, os sem marca, eram fuzilados numa vala junto ao bloco Z. Aquele complexo sistema de salas, corredores e paredes à prova de som foi planeado e construído para resolver um problema: como tirar facilmente ouro aos russos que eram prisioneiros de guerra. As pessoas que sabem que vão ser assassinadas ficam tensas, e torna-se mais difícil abrir o maxilar ao cadáver. A câmara de gás também não servia, porque o gás estraga os metais preciosos.
A guia falou também das fases do campo. Os nazis começaram com algum cuidado, tentando dar um certo ar de legalidade à coisa, mas com o passar dos anos acabaram por perder qualquer noção dos limites. A partir de 1942 sentiam-se omnipotentes e sem lei, faziam o que lhes apetecia. Por essa altura, já a quantidade diária de alimento que em 1936 era dada a cada homem tinha de chegar para três e até cinco. Sobreviventes contaram que o pior de todos os castigos era pô-los a trabalhar na cantina dos soldados ou perto dela: o aroma da comida normal era para eles a pior das torturas.
Os meus jovens portugueses ouviram, fizeram algumas perguntas, muitas fotografias.



  






Nesta foto vemos imagens de soldados russos pouco antes de serem assassinados. Os retratos foram feitos para uma exposição nazi sobre o rosto do inimigo. Como é possível olhar para estes rostos e ver neles algo de ameaçador e desumano? Como é possível usar estes extraordinários retratos para propaganda? Quer dizer: como estará lavado o cérebro de uma pessoa para ver nestes rostos aquilo que os nazis queriam que eles vissem?


No mesmo campo onde tabuletas avisam que quem passar aquela linha será morto sem aviso prévio, há na cozinha subterrânea desenhos humorísticos alusivos aos trabalhos que ali se faziam: lavar as batatas e os legumes para fazer a mistela a que chamavam sopa. As batatas largavam um fedor insuportável, vinham podres e muito sujas, a sopa não saía muito melhor. Mas um dos prisioneiros encheu as paredes de desenhos alegres, como se estivesse na Disneyland. Disseram-me que não se conhece bem a origem dos desenhos, e que até podiam ter sido feitos na segunda fase do campo, sob ocupação russa.   



Regressámos a Berlim, com uma paragem para almoçar numa loja cujo nome para sempre calarei.
Saímos na Oranienbruger Straße, perto do Tacheles.






Depois fomos passear para os pátios junto à estação de Hackesher Markt: os famosos Hackesche Höfe, o pátio alternativo ao lado e, logo a seguir, o restaurante Pan Asia com o seu agradável terraço.



















À saída, um deles perguntava: porque é que em Lisboa não há coisas assim?
(Deve ser uma boa mistura de muitos factores: a "terra de ninguém" em que se tornaram muitos prédios de Berlim Leste, uma extraordinária vitalidade na cultura underground da cidade, o carácter brincalhão dos berlinenses e a leveza com que aceitam experiências diferentes...)


Antes de regressar a casa fomos ainda fazer a fotografia da praxe à porta de Brandenburgo, ver o banco feito pelo Frank Gehry, a arquitectura maluca da Academia das Artes.
Este grupinho tinha óptimos fotógrafos:





2 comentários:

Leonor disse...

As saudades que me deram de Berlim, Helena :) Beijinhos

Helena Araújo disse...

:-)
(quando vens?)