22 agosto 2012

aquilo a que tenho direito


No passeio havia quatro rapazolas (turcos, talvez) que vinham em sentido contrário, uns ao lado dos outros. O meu primeiro impulso foi mudar para o outro lado da rua, mas lembrei-me que estou em Berlim, uma cidade onde os homens são obrigados a respeitar as mulheres, e continuei. Eles vinham numa atitude óbvia de hormonas aos saltos, pelo que evitei cuidadosamente qualquer espécie de contacto visual. Debalde. Um deles terá feito um gesto de quem ameaça apalpar-me (não vi, porque estava a fazer questão de não os ver) e desataram todos a rir. Olhei então para eles com cara de "Cabrões de merda, sentem-se muito orgulhosos de ameaçar uma mulher, é? Poltrões, quatro contra uma!" e outras delicadezas do género, e não desviei o olhar furioso, até que lhes passou a vontade de rir.
Segui caminho, irritada e incomodada. Podia perfeitamente ter atravessado a rua, é verdade. Mas reivindico para mim e para todas as mulheres o direito de andar na rua sem ser ameaçada por rapazolas parvos.

(Aviso às meninas mais novas: não tentem fazer isto em casa)

Já há tempos me acontecera algo semelhante. Ia para casa sozinha, bem depois da meia-noite, e o caminho foi-me cortado por um grupo de foliões mais ou menos embriagados. Queriam obrigar-me a fazer não sei quê para me deixarem continuar caminho, mas cortei-lhes a palavra com um "eu ando por onde quero!" tão decidido que eles abriram alas e deixaram-me passar, completamente descoroçoados.

Não é de agora. Há alguns anos, no Rio de Janeiro, saímos já bem tarde depois do jantar para ir à Mangueira. Íamos de Santa Tereza, e o condutor resolveu meter por um atalho junto a uma favela. Na estrada da mata, no meio de nada, um carro parou-nos, e homens com metralhadoras mandaram-nos sair. Vinham à civil, mas diziam que eram da polícia. Fizeram perguntas, quiseram ver o que tínhamos na bagageira. Não senti medo, apenas fúria. O Joachim, que me conhece bem, segredou-me "não dizes nem uma palavra, nem uma palavra!"
Foram os dez minutos mais longos da minha vida: deixá-los fazer o que queriam, sem poder falar, sem poder perguntar se aquilo é maneira de tratar as pessoas num Estado de Direito, e coisas assim.

Por este andar, arrisco-me a que me dêem como epitáfio: "ela tinha razão".

5 comentários:

Luís Novaes Tito disse...

O aviso às meninas mais novas é fundamental, super-Helena.
Os rapazolas (turcos, talvez??? – faltou lá o “com cara de turcos”) só baixam a bolinha com as meninas menos novas, mesmo sendo giras, como foi o caso.

(sou eu a desconversar em pleno Agosto, não ligue!)
:)

Helena Araújo disse...

Pois, pois...
:)

Hesitei um pouco sobre escrever algo sobre "turcos". Mas é um problema em Berlim: há determinados grupos de homens a quem nem passa pela cabeça fazer uma cena destas (até havia aí uma blogger que se queixava que parecia que não existia, nenhum homem reparava nela), e há outros a quem nem passa pela cabeça não a fazer...
Uma vez fui com a minha filha de metro do bairro de Charlottenburg, um bairro de classe média e alta onde vivem sobretudo alemães e russos, até ao coração de Neukoelln, onde há muitos árabes e turcos. Ao chegar lá, ela apanhou um susto enorme, porque não estava habituada àquele tipo de ocupação masculina do espaço público (especialmente o modo de olhar para as mulheres, e o ar com que faziam os comentários). E é uma linha de metro directa...

jj.amarante disse...

É mesmo uma mulher do Norte, carago!:)

Helena Araújo disse...

:)
Essa frase também dava um belo epitáfio, hehehe.
"Era mesmo uma mulher do Norte, carago!"
seguido de : RIP

Gi disse...

Entendo-te, Helena.
Quando às vezes penso nisso, receio que se alguma vez tiver a pouca sorte de ser assaltada, acabe muito mal.
Espero que não aconteça. As mulheres do Sul também têm as suas venetas ;-)