18 maio 2012

senhora Helena

Um amigo comentava recentemente no facebook, a propósito da tomada de posse do governo francês, composto apenas por Madame Fulana e Monsieur Sicrano, que só em Portugal se insiste no uso dos títulos académicos. Como o compreendo! Há muito que saboreio a facilidade do Herr e da Frau na Alemanha, e noto o desaparecimento do "Fräulein". Tão mais simples!

Mas como fazer em Portugal?
O nosso complicadíssimo sistema de castas e as respectivas marcas linguísticas impedem uma solução simples e rápida de aplicar. Omitir os títulos académicos podia até ser fácil, mas o que devemos usar em vez deles? Há que libertar as palavras da sua carga: a Dona Maria, que já foi rainha, não tem necessariamente de ser a empregada de limpeza; o Senhor João não tem de ser necessariamente o sapateiro (também pode ser o canalizador).

Há vários anos, o José Vítor Malheiros (salvo erro) escreveu uma crónica onde comentava que num serviço telefónico de assistência ao cliente tinha sido tratado como "Senhor José". Imagino que alguém nas empresas tenha decidido simplificar, dando instruções para que se tratem os clientes por senhor e senhora, seguido do nome próprio.  Admiro esse esforço de modernização dos costumes, e penso que o tema devia ser debatido, para tentar encontrar uma solução elegante, permitindo simultaneamente que a sociedade portuguesa se questione e prepare para usar novas formas de tratamento.

Senhor e Senhora, Senhor e Dona? Senhor Manuel ou Senhor Gomes? Dona Maria ou Senhora Maria ou Senhora Gomes?

Em Portugal há uma dificuldade suplementar: geralmente as mulheres são tratadas pelo primeiro nome, os homens pelo apelido. Quando vivia em Portugal, eu era a Dra. Helena. Nunca ninguém se teria lembrado de me chamar Dra. Araújo - quando muito, Dra. Helena Araújo para me distinguir de outra Dra. Helena. Mas mais provavelmente seria "a Dra. Helena, aquela alta". 
Ora, passar de Dr. Manuel Gomes para Senhor Manuel Gomes é relativamente fácil, mas de Dra. Helena para Senhora Helena, isso aí é descer muitos degraus de casta...

Resumindo e concluindo, chego à parte de que mais gosto: se me deixassem mandar (hehehe) sugeria que se passasse a tratar as pessoas por Senhor e Senhora, seguido do nome próprio e do apelido. Senhora Helena Araújo, pronto.

Talvez soe estranho, mas é melhor que as milhentas cenas gagas do nosso quotidiano, quando tentamos descobrir se a pessoa que temos de apresentar é doutora, engenheira, arquitecta ou o quê. E seria uma mudança que reduziria a necessidade de fazer cursos universitários ao domingo, no fax do professor, e acho muito bem, que o domingo devia ser dia de descanso. 

12 comentários:

Gi disse...

Ou então, Helena, seguindo o conceito do acordo ortográfico, porque não usar o esquema brasileiro, em que toda a gente é seu João a não ser que mereça respeito especial e passe então a doutô João.
Em relação às mulheres é que não sei bem como fazem.
;-)

Helena Araújo disse...

Bem, também podíamos usar o sistema português, em que toda a gente é doutor, quer seja quer não seja...

Unknown disse...

Aprecio particularmente a oralidade do shôtor e da shôtora.
Beijos,

snowgaze disse...

Estas a brincar nao? Entao na Alemanha, em que o doutor e' acrescentado ao nome, onde toda a gente usa o doutor nas caixas dos correios, nao se liga aos titulos??? A uma amiga portuguesa que vive na Alemanha uma vez foi-lhe sugerido que casasse para adquirir o titulo se doutor do namorado por afinidade (ficou furiosa, quanto mais nao fosse porque tinha ela propria um doutoramente embora nao usasse o titulo). Mas num pais em que as campainhas da porta tem o titulo de doutor, com certeza tem pouca ou mesno aversao aos titulos que o nosso...

Helena Araújo disse...

Olha, agora que falas nisso... Sim, é verdade, há coisas muito estranhas como o título académico ser tratado como parte do nome e a mulher do Dr. Schmidt ser a Frau Dr. Schmidt. Como é que me esqueci disso?

Por outro lado, ninguém chama à Merkel Frau Dr. rer. nat. Merkel. É simplesmente Frau Merkel.

Entre os políticos, nenhum é tratado pelo título académico.

snowgaze disse...

Olha, ja' estava para aqui a pensar que se calhar isto dos titulos era uma coisa da Baviera... (e se calhar e' mais importante aqui do que noutras partes da Alemanha). :)

Helena Araújo disse...

Por outro lado, snowgaze, esses títulos são títulos a sério, não são meras licenciaturas. Só podes usar o "dr." depois de teres o doutoramento.

Paulo disse...

Há muitos anos conheci um senhor que se chamava Professor Doktor Med. Artzt Schmidt (não me lembro se o nome seria mesmo Schmidt ou outro qualquer, mas façamos de conta). Uma vez enganei-me e tratei-o por Herr Schmidt e logo fui corrigido pela mulher dele: Herr Doktor Schmidt heisst er (Ele chama-se Senhor Doutor Schmidt).

Helena Araújo disse...

Paulo, depois de ter escrito o post e ter lido o comentário da snowgaze, estou um bocado confusa.

No mundo da política, ninguém usa o título académico.
Já no mundo académico, usam.

Isso do médico usar o seu título, também é muito comum. De facto, há médicos que não podem usar o Dr. - os que não fizeram um doutoramento, se limitaram à licenciatura em medicina.
São simplesmente o Herr Schmidt.

Também já ouvi a viúva de um médico usar o seu nome com o título académico do marido: Frau Dr. Schmidt. Apesar de nem ter frequentado a faculdade, hihihi.

Helena Araújo disse...

acabei de ver que repeti a referência à frau dr. Schmidt. Acho que me impressionou mesmo...
;-)

Anónimo disse...

Helena se me permite uma achega a minha forma de tratamento favorita é a americana.Usa-se apenas o nome próprio.

No Verão passado estive com alguns dos grandes nomes de Berkeley e Stanford (falo de Professores Doutores e quejandos)que me "ordenaram" que os tratasse por Jim, Daniel, etc. Adoro os americanos.

Helena Araújo disse...

O Álvaro bem se queimou com essa, Helena.
Mas esse é um tratamento entre pares, não é? Como é que o jardineiro do Jim o trata? Como é apresentado numa sessão solene?

Entretanto, cá para os nossos lados, há algo de novo: a Alemanha vai ter de se habituar a uma "inquilina" do palácio de Bellevue que não é a esposa. Uma amiga minha esteve numa recepção da presidência, e soou-lhe estranho: as pessoas eram anunciadas como habitualmente, Fulano e esposa, Sicrano e esposa, o Bundespräsident e a Frau Schadt. Mas vamo-nos habituar, claro, que isto é sempre a andar para a frente.