09 março 2012

proteger a Democracia



Em Dezembro do ano passado foi noticiado que o Presidente da República, Christian Wulff, teria alguns anos antes contraído um crédito em condições vantajosas, o que fez nascer a suspeita de abuso de poder. As suas explicações foram insuficientes, a notícia de que terá tentado pressionar um jornal para não publicar a notícia tornou a sua situação ainda mais insustentável. No princípio de Janeiro, um grupo de cidadãos foi manifestar-se em frente ao palácio Bellevue, sede da Presidência. Brandiam sapatos (viva a interculturalidade) em sinal de zanga e desprezo por um homem que se agarrava ao poder como uma lapa, muito para além de todos os limites de confiança e respeito que aquele cargo exige.
As imagens chocaram o país. Entretanto, os políticos que o tinham eleito tentavam aguentar o leme sem grandes ondas (debalde, debalde). Pelo seu lado, a Procuradoria continuava a trabalhar, e quando teve material suficiente para pedir ao Parlamento o levantamento da imunidade do Presidente, este demitiu-se.

Na Alemanha, um ex-Presidente da República recebe uma renda vitalícia, e Wulff (que tem 52 anos) tem direito a cerca de 200 mil euros anuais (mais escritório, secretária e motorista). Após uns meros 20 meses como presidente, e uma saída tão sem honra como esta?! Os alemães estão perplexos e furiosos. Na impossibilidade de lhe recusar essa pensão, o Parlamento tenta, ao menos, mudar a lei para que o caso não se repita.
Também a sua despedida oficial do palácio provocou celeuma: muitos insistiram para que não se realizasse a cerimónia protocolar, com as tradicionais honras militares e uma banda de música que toca os "discos pedidos" do Presidente. Mas ele quis, os partidos que o elegeram também foram nisso, e ontem lá se fez a despedida. A seu pedido, a banda tocou "over the rainbow" e o hino da alegria, entre outros.
Muitos dos convidados não compareceram. Entre os ausentes mais notados contavam-se os quatro antigos Presidentes ainda vivos.
Sobre esta cerimónia pairavam as críticas do antigo Chanceler, Helmut Schmidt, que acusou Wulff de ter provocado graves danos no cargo que ocupou, e de ter arrastado na queda toda a classe política.
Em frente ao palácio, do outro lado do rio, nova manifestação. Desta vez com vuvuzelas, cujo som estridente se sobrepôs à música da banda.

Vuvuzelas com as cores da bandeira nacional, e um povo que exprime o seu descontentamento de forma iniludível, com frases simples e óbvias: "uma vergonha!" e "queremos dizer à elite política que nem tudo o que é legal pode ser feito" (a propósito do pensão da qual ele se recusa a abdicar). 

Eu, que sou um bocadinho "e se a sentença se anuncia bruta / mais que depressa a mão executa / pois que senão o coração perdoa", pergunto-me se não estão a ir demasiado longe. Afinal, foi um empréstimozito sem importância para comprar uma casinha, foram umas férias com amigos ricos a convite destes (depois de ter assinado um negócio público com eles, de apenas quatro milhões...), foi um telefonema parvo...

Mas não. A Democracia tem de se defender, e já se defendeu demasiado tarde.
Já não estou a falar da Alemanha, mas de um outro país onde eu, se lá morasse, estaria bem capaz de organizar uma tradição de passeio diário para os lados de um palácio que eu cá sei, de vuvuzela com as cores da bandeira nacional e sapatos bem erguidos no ar.

6 comentários:

António P. disse...

Helana, se e quando vier a Portugal resolver ir de vuvuzela ao Palácio de Belém diga-me que junto-me a si :)
Bom fim de semana

menvp disse...

A Goldman Sachs andou a camuflar a dívida grega sabendo que muitos iriam perder com a recessão/crise... mas, plenamente consciente que uns iriam perder mais do que outros... isto é, ou seja, o verdadeiro objectivo da Goldman Sachs era/foi alterar a correlação de forças: muitas empresas estratégicas saíram do domínio público!


P.S.
Um caos organizado por alguns - a superclasse!
Uma nova ordem a seguir ao caos... a superclasse (alta finança internacional - capital global, e suas corporações) ambiciona um neo-feudalismo.

Helena Araújo disse...

António,
se a vir por aí, por favor compre-me uma vuvuzela com as cores da nossa bandeira.
;-)

Como são os regulamentos das manifestações em Portugal? Têm de ser previamente autorizadas?
E passar devagarinho numa rua, apontando com um sapato na direcção de um muro e tocando vuvuzela: já é considerado manifestação que tem de ser autorizada?

(não pediram autorização para aquela manif de vuvuzelas em frente ao Bellevue - por isso havia lá polícias a tentar dispersar o pessoal. Mas algo me diz que foi sobretudo pro forma - estou convencida que se estivessem à paisana os próprios polícias teriam vontade de apitar como o resto do pessoal)

Carlos disse...

Helena, nem diga nada... O homem é uma vergonha -- e, tendo em conta o cargo que ocupa (algo de que ele parece frequentemente ignorar), uma vergonha nacional.

Carlos disse...

(«algo que ele», e não «algo de que ele»)

Helena Araújo disse...

Pois é, Carlos, é isso mesmo: ele parece ignorar as exigências do cargo. É uma vergonha e uma tragédia para Portugal.