21 dezembro 2011

margem de certa maneira

Lembro-me bem de uma tarde passada em casa de uma amiga, teríamos ambas nove ou dez anos, e era antes do vinte e cinco de Abril. Ela mostrou-me um disco cheio de canções lindíssimas, e disse-me com ar sério que era proibido em Portugal. Nenhuma de nós percebia porquê - pois se tinha canções tão boas!
Nesse dia voltei para casa a cantarolar "chamava-se ela Marta ele senhor dom Gaspar" e "caminhando por terras de França".

Caminhando por terras de França.
Em 1961 o meu pai organizou uma excursão a Lourdes, para jovens agricultores. Dois deles aproveitaram estar do lado de lá, e ficaram. O meu pai ia sendo preso por ter sido cúmplice (achavam eles) de dois portugueses que queriam emigrar.

Hoje em dia, é o próprio governo que vê a necessidade da emigração e ajuda os portugueses a sair do país.
Os tempos mudaram. Muito, imenso. Mas começo-me a perguntar se aquela teoria de os extremos se tocarem não será mesmo verdade. Entre estes dois extremos, um mesmo povo violentado e traído pelos seus governantes.

9 comentários:

jj.amarante disse...

Quais dois extremos, trata-se apenas de um extremo, o da classe da sociedade portuguesa que governou o país sob ditadura durante 48 anos, que fez a travessia não do deserto mas do sertão (zona semi-árida) depois do 25 de Abril e que regressa agora com uma força que me surpreende. O J.M.Fernandes sonha com as remessas dos emigrantes, o herói de sofá João Gonçalves tem pena que os militares em 1961 em Goa não se tenham imolado no andar da Pátria e os governantes dizem aos Portugueses: não chateiem e vão-se embora.

Interessada disse...

Onde está a oferta de ajuda?-deve ser o coice.
Na realidade o que existe é emigração a mando de quem despreza os cidadãos e o país, e se demite de governar.
Concordo inteiramente com o que diz jj.amarante.
Francamente não sei onde a Helena foi buscar o segundo extremo.E não me vai dizer que é a democracia, espero.

Helena Araújo disse...

Interessada, o segundo extremo é assim: dantes, prendiam-se os que queriam fugir. Hoje, sugerem-lhes que saiam.
A oferta de ajuda:
http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=2198236

Interessada disse...

Insisto que não sugerem, mas obrigam, pois que não oferecem alternativa.
Então a ajuda sempre era para levar à letra. Fiquei estupefacta.
O governo não ajuda nada, pois que para isso devia criar condições para que não houvesse necessidade de emigrar e a mais-valia ficasse por cá.
Querem uma ligação ao país, ou querem que os cidadãos sirvam o poder, explorados e contrariados?
É suposto um governo governar, e criar postos de trabalho. O que nos falta é o desenvolvimento de infraestruturas.
Investiu-se para agora desperdiçar?
Que saída para a crise é essa, em que a mais-valia não fica cá?
Mas isto são pensamentos de uma ignorante que talvez devesse estar calada.

Helena Araújo disse...

Bom... isso é muito complicado.
O Passos Coelhos já disse: a taxa de natalidade é muito baixa, pelo que vão ser necessários cada vez menos professores. O que é que o governo pode fazer com os que não arranjam trabalho? Sobretudo nesta fase em que está a "cortar as gorduras"?
Quem deve criar postos de trabalho não é o governo, mas a economia. O governo pode criar medidas que facilitem a vida às empresas.
É mais por aí: por absoluta falta de dinheiro e de ideias sobre como resolver o problema, os ministros andam a sugerir ao pessoal que emigre.
E é óbvio que os primeiros a emigrar são os que mais poderiam fazer pelo nosso país. Os mais desenrascados e com mais espírito de iniciativa.
O que o governo sugere é uma purga das melhores cabeças jovens. Já que é para ser crise, que seja a sério: por muitas décadas...

Carlos disse...

«... um mesmo povo violentado e traído pelos seus governantes.»

Nem mais!

Interessada disse...

Diz a Helena que quem deve criar postos de trabalho não é o governo, mas a economia. Como queira, é uma questão de forma. Talvez o correcto seja expressar a ideia dessa forma.
Pois bem, então o governo deve desenvolver certas actividades, cortar as gorduras onde deve, e ir buscar o dinheiro necessário onde se recusa a ir. Ainda há muito onde colher e a Helena sabe disso.
Havendo esse dinheiro já o ensino pode funcionar como deve, com menos alunos por professor, e os emigrantes terem acesso à aprendizagem da língua.
O problema fulcral é onde ir buscar o dinheiro para o nosso desenvolvimento.

Helena Araújo disse...

Interessada: inteiramente de acordo!

Luís Novaes Tito disse...

A minha leitura é simples e não precisa de interpretação.
Em democracia, os eleitos são-no para criar as melhores condições possíveis aos seus eleitores.
Um Governo, um Primeiro-Ministro, tem obrigação de desbravar caminhos que levem os seus governados a atingir essas melhores “condições possíveis” em território nacional, ou no estrangeiro, caso os governados entendam que é no estrangeiro que as obtém.
O que um Primeiro-Ministro não pode, nunca, é apontar o êxodo e a diáspora como solução do que quer que seja. Se o fizer é porque reconhece publicamente que falhou ao não conseguir criar as condições objectivas para os seus eleitores.
Como diz a Helena, é uma traição,e eu acrescento que é coisa de apátrida.
(Isto para além de outros considerandos menores, como seja o esbanjamento do investimento em formação para usufruto de países terceiros)