30 novembro 2011

querido Pai Natal (2)

Querido e simpático Pai Natal,

não sei se lês o jornal, mas há lá tanta gente que se droga, fuma ou bate nos outros. Talvez tu não saibas muito sobre essas desgraças. Há a floresta do Mazonas e os orfãos. Peço-te que os orfãos do mundo inteiro e também do Mazonas tenham um Natal melhor que o nosso. Mas nós nunca pensamos nesses orfãos, nós que temos roupa de que não gostamos porque temos demasiado.
E as pessoas que emigram? É um povo inteiro de refugiados, que vivem em quartos sujos sem luz nem aquecimento e vão pelo mundo em carros (se os têm). Muitos morrem e vão para outro mundo.
Há muitos mundos, e eu não sei se tu vais a todos eles para dar presentes: há o nosso mundo, o terceiro mundo (nunca percebi o que era o segundo mundo), e também há o quarto mundo, que é o mais horrível de todos.
Em suma: quase todos vivem nos outros mundos, e as crianças têm sempre a mesma roupa esfarrapada e morrem de frio. Há Natais diferentes, porque nós atiramos as nossas roupas deste mundo para os outros. Nós também podíamos estar lá em vez deles, e então eram eles quem nos atirava a roupa. Querido Pai Natal, faz com que as crianças dos mundos nº 3 e nº 4 sejam pessoas normais como nós.
Agora vou escrever um poema para ti, que se chama "Paz e não guerra".

A paz é assim:
às vezes não a sentes.
Mas vês.
Há pássaros
que morrem
porque já não conseguem respirar,
pobrezinhos.
Como é que os homens
podem fazer tal coisa?

Pai Natal, eu inventei este poema, não o copiei!


Marco - Pordenone

9 comentários:

Rita Maria disse...

Ainda bem que ele o explicita, porque o poema é fantástico!

Helena Araújo disse...

ainda tens espaço na mala, Rita?
Estou aqui convencida que te devia oferecer alguns livros destes. Por exemplo:
"Deus criou-nos a todos de graça"
e
"Em África é sempre agosto"

(o primeiro título é um fantástico tratado de teologia)

À venda na amazon por 1 euro, ou menos ainda:
http://www.amazon.de/Weihnachtsmann-mach-das-mal-italienischer/dp/3257231032/ref=pd_sim_b_3

http://www.amazon.de/gratis-erschaffen-Schulaufs%C3%A4tze-neapolitanischer-Kinder/dp/325701970X/ref=pd_sim_b_4

sem-se-ver disse...

fantástico mesmo!

isabelc disse...

Eu também nunca percebi muito bem o que é o 2.º mundo... mas deve ser o mais povoado... :)
O Pai Natal não leva prendas novas e bonitas a quem mora no 3.º mundo, essas ficaram no 1.º e no 2.º, talvez. Leva-lhes a facilidade de serem felizes com aquilo que sobra dos outros. É claro que me revolta tanta desigualdade mas também reconheço que chego a ser mais pobre que eles quando aquilo que me excede é mais do que aquilo que lhes basta.

Helena Araújo disse...

Isabel,
Pois, o segundo mundo. Ainda não sei se é o bloco socialista, por oposição ao primeiro, o capitalista. Ou se são os países em vias de industrialização.

Quanto à felicidade dos pobres: esta é a parte em que eu me vejo obrigada a passar - não sei se são felizes com os nossos restos que "lhes atiramos", e não sei se aquilo lhes basta. A verdade é que não faço a menor ideia sobre as condições de vida das pessoas no terceiro mundo (além de, como diz o miúdo, haver muitos mundos).

isabelc disse...

Ai de mim querer passar a ideia de que os restos lhes bastam como se não merecessem mais! Pelo contrário!!
Uma simples esferográfica os deixa felizes... eu vi.. e gelou-me o estômago. Quisera eu essa capacidade, essa felicidade simplificada.
Como dizia alguém: são tão pobres tão pobres que só têm dinheiro.
Mas destes ninguém tem pena, têm a obrigação de serem felizes.
Muitos não são.
"A paz é assim:
às vezes não a sentes."

E pronto, voltei-me a deparar com minha aversão à época natalícia. Todos os anos tenho uma - precisamente por tudo aquilo que o Marco escreveu... e muito bem!

Helena Araújo disse...

eu ia abrir aqui um grande sorriso, mas é um bocadinho deslocado, não é?
Estamos afinal a falar de tristezas em muitos mundos.

Adorava o Natal da minha infância. Pergunto-me se os meus pais e avós o achavam tão artificial e chato como eu hoje o acho...

(mas é verdade que compete a nós fazer do Natal algo de bom, que valha a pena para nós e para os outros)

Anónimo disse...

Esta série de textos escritos pelos miúdos é fantástica. Aquelas cabeças pensam coisas que nós já não sabemos pensar ou que se nos ocorrem afogamos por nos parecerem tontas. Gosto tanto do raciocínio das crianças :)
Obrigada, Helena!

**
mariana

Helena Araújo disse...

De nada, Mariana, de nada.
Também eu gosto de ler, e de partilhar aqui. Cá nos encontraremos todos os dias?
A única dificuldade é escolher, em dois livros inteiros, as cartas que vou traduzir!