21 outubro 2011

o Kadafi e nós

Ao ver por aí as fotografias dos apertos de mão entre os senhores do mundo ocidental e o Kadafi, ao ler as críticas a esses senhores - consta que capazes de vender a própria avó por uns barris de petróleo e um cordão de segurança que proteja a Europa da África -, só me ocorre isto:

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

Aqueles apertos de mão eram dados para defender os nossos interesses: para termos gasolina para os nossos passeios alegres, para não termos as ruas cheias de africanos pobres, para as nossas empresas terem oportunidades de negócio.
Se não gostam de tocar a mão de quem mata as galinhas, não as comam. 

20 comentários:

Rita Maria disse...

O aborrecido sao três coisas: o facto de às vezes se tratar de uma galinha que é morta, em nosso nome, para benefício apenas de uns três ou quatro; o facto de ninguém nos informar que nao só se matam galinhas, mas cada galinha que vemos pressupoe uns bastidores em que também se esfolam caniches e por último o facto de ninguém nos ter perguntado se preferíamos ter princípios ou comer galinhas, de que princípios nao queríamos prescindir ou de quais considerávamos abdicar em nome de uma empada.

Eu escolho que ovos compro com base em como se tratam as galinhas: acho que é melhor para elas e para mim. É, dentro de alguns limites, uma escolha informada - assim o deveriam ser também os programas de Governo, também na matéria da política externa.

Assim a política externa é um cheque em branco, mascarada de "necessidade da realpolitik demasiado complexa para ser motivo de escrutínio". E os consumidores, que é ao que têm vindo a ser reduzidos os cidadaos, cada vez gostam menos de dar cheques em branco. E têm razao.

Helena Araújo disse...

Rita, se nós preferíssemos ter princípios em vez de comer galinhas passávamos a andar a pé, a usar roupa feita pela costureira da nossa rua, a comer apenas o que se produz na nossa região, etc.

O tipo de consumos que praticamos é o sinal mais evidente de como entendemos a nossa cidadania. Os ovos e o papel higiénico reciclado, é fácil. A carne, já é mais complicado, porque fica muito mais cara. As flores vêm da África, produzidas em condições vergonhosas. Compramos no Lidl para sobrar algum dinheiro para uma voltinha de avião (numa low cost, claro).

Por uma questão de princípios, a Alemanha começou por se pôr de fora da guerra da Líbia. Agora, estou para ver como conseguirá fazer negócios vantajosos com o novo regime. Se os interesses económicos americanos, italianos e franceses passarem à frente dos alemães, quantos dos cidadãos alemães vão achar que foi correcto não ter participado na guerra?

Eu acho que merecemos bem os políticos que temos - ou melhor: por acaso desta vez os políticos estão a servir o seu povo.

Rita Maria disse...

Eu acho que estas enganada - acho que conseguimos muito mais do que o nível de conforto da Idade Média com princípios. Mas mesmo que nao conseguíssemos, tínhamos o direito a uma decisao consciente sobre o asunto.

Mas, acima de tudo, acho que é o princípio que está errado: enquanto colectivo, temos o direito sim de saber quais os princípios sacrificados e em nome de quê (e nao sabemos, mesmo, ainda outro dia li uma negociata venezuelana feita pelo Sócrates para os accionistas da EDP que era muito bonita - entao para os desgracados dos venezuelanos...). E temos o direito de aprovar programas, com declaracoes de politia externa, na expetativa de os ver cumpridos.

Rita Maria disse...

Por último: decidir consumos em nome da ética para poupar para voos low cost? É muito bonito, mas nao só me parece chocante que queiram resumir as nossas decisoes políticas sobre modos de producao aos nossos padroes de consumo, como é muito bonito mas é para ricos.

Anónimo disse...

Helena, tem toda a razão. O nosso modo de vida torna-nos cidadãos- consumidores. Mudar é não fazer férias em Berlim ou deixar de comprar o smarphone. A escolha está sempre feita. Um casal de classe média em Portugal tem por norma e objectivo possuir dois carros. Menos do que isso rebaixa ao estatuto de pobretanas. O empobrecimento de que se fala é também a perda deste padrão de vida. Ou deixar de fazer férias em Cuba ou no México. Ninguém protestou contra democratização do crédito durante anos. Nessa altura os bancos não eram maus.
A política externa é um cheque em branco, mascarada de "necessidade da realpolitik demasiado complexa para ser motivo de escrutínio". O mesmo se aplica à política europeia. A respeito da política de estabilização do euro euro: a exigência do governo alemão de participação dos credores privados em soluções da dívida (associada a um princípio de reestruturação e de default ordeiro, bem como de regulamentação de saída do euro), princípio correctíssimo e imprescindível para evitar a repetição futura do que se passa agora, é apresentada como uma maldade pelos círculos europeistas. A ideia de que os cidadãos tenham uma palavra, é apresentada como egoísta e populista. Como se só os altermundialistas devessem ter voz activa, mas não um reformado remediado que perde as suas poupanças com uma inflação elevada

Pedro

Helena Araújo disse...

Rita, eu estou a ver se te entendo, mas...
Penso que os princípios são, de facto, um luxo de ricos. Ou de pessoas dispostas a reduzir o seu nível de vida substancialmente.

Mas a questão mais importante é esse "nós". Quais são esses princípios tão elevados que movem o povo? Se fizeres um referendo europeu a perguntar se se deve fazer acordos com ditadores norte-africanos para eles impedirem os africanos de vir para cá, a resposta maioritária vai ser sim ou não?

Luís Novaes Tito disse...

Só para dois dedos de conversa (porque estou na hora do almoço mas não tenho dinheiro para o comprar)

Comer galinhas vivas! Vamos a isso.
Comer os óvulos das galinhas vivas, seleccionando as galinhas que os têm. Boa prática.
Comer as galinhas vivas e cruas, ou em alternativa esquecer que o gás da Líbia anda no fogão da nossa cozinha.
Comer o terrorista líbio, cru e em sangue, porque os lucros conseguidos com as balas que o mataram (e também com as balas com que ele matou) estão todos nos bolsos de quem andou aos chazinhos na tenda e não servem para que o possamos cozinhar. Era preferível que tê-lo embalsamado no trono antes de passar a imagem publicada. Até lhe podiam aparar a barba para ficar mais apresentável.

Não nos safamos, Helena. Mesmo que deixemos morrer as galinhas de velhas para depois as podermos comer, seremos sempre uns selvagens (pelo menos para as outras galinhas vivas).

Vou tomar café. Obrigado pela conversa.

Ant.º das Neves Castanho disse...

Muito bem, cara Helena (e prezado "anónimo), é isso mesmo.

Rita Maria, o nível de vida de que fala a Helena não é o da Idade Média (que exagero exageradíssimo!!!), nem tampouco o dos tempos dos nossos Avós: é o dos tempos da minha Juventude, em que ouvíamos LP's nos gira-discos, fazíamos gloriosas férias na Caparica (ou, quanto muito, no fantástico "Inter-rail"), fazíamos "noitadas" a tocar viola e a namorar debaixo das nossas varandas e os nossos Pais tinham (ou não!) um Ford Cortina, ou um BMW 2002, que já era um luxo!

Claro que, nesses mesmos tempos, os "retornados" ainda disfrutavam de criadagem tipo ecravatura e os pobres dos etíopes morriam de fome. Como ainda hoje, mas já não os chineses, nem tanto os indianos. Pois é. E os Europeus querem seguir alegremente para mais auto-estradas, mais tecnologias, mais lazer e mais regalias sociais? À custa dos... seus próprios Filhos e Netos, será isso?

Rita Maria disse...

Já debati esta questao tantas vezes que acho que provavelmente já escrevo sobre isso de forma totalmente críptica e depois acho estranhíssimo que ninguém me compreenda: eu nao tenho nada contra a responsabilizaçao do consumo. Mas tenho muita coisa contra a ditadura dos inevitáveis e a reduçao do cidadao ao seu papel de consumidor, como se a política já nao existisse.

Depois escrevo um post sobre o assunto com tempo, ou traduzo um texto muito bom que te partilhei uma vez sobre o assunto.

Interessada disse...

Não concordo que o tipo de consumo que praticamos seja o sinal mais evidente de como entendemos a nossa cidadania.
A minha prática também varia conforme o contexto.
Melhor dizendo, não estou disposta a prescindir de determinados bens, se isso em nada alterar a distribuição da riqueza.
Não concordo que tenhamos os políticos que merecemos, pela simples razão que quanto mais inculto é um povo (e a culpa disso é sempre das elites no poder) mais facilmente é levado pela fácil demagogia.
Mas infelizmente também não acredito que queiremos realmente uma democracia mais participativa.
No meu país (Portugal), há uns bons anos, fizemos conquistas que nos davam real poder, que mais tarde viemos a desprezar.
Quem é que hoje está disposto a “perder tempo” com Comissões de Moradores (será que ainda existe alguma?) ou Comissões de Trabalhadores, p.ex.?
Ainda a nível dos condomínios, viemos a assistir a um desprezo total pelo direito legítimo que nos assiste de defendermos os nossos interesses, entregando a gestão daqueles a empresas que, quando não nos roubam o dinheiro “em caixa”, se limitam a arrecadar o valor do pagamento das quotas, a pôr lâmpadas, prever o regular funcionamento dos elevadores, e pouco mais.
Acho mesmo que as pessoas gostam de passar cheques em branco, porque se demitem de “ter ralações”.
Veja-se ainda o aumento progressivo da abstenção, quando se tem a possibilidade de colocar um voto na urna.
No que eu acredito é na grandeza do Homem, mas também na sua tacanhez.

Helena Araújo disse...

O meu ponto de partida inicial era este: não aponto o dedo aos políticos que negociaram com ditadores enquanto não lhes tiver dito que não preciso dessas negociatas e que não as quero. Para isso, é preciso eu ter alternativas muito claras e exequíveis. Não tenho.
Mas pelo menos não faço figura de hipócrita a dizer que o Sócrates é má peça porque falou para o Kadafi.

Mas os comentadores estão a levar a discussão para um patamar mais interessante, que é o da cidadania e da democracia participativa. Rita, vá: escreve o teu post, ou traduz o texto (esse, parece-me, não se me gravou no subconsciente...)

sem-se-ver disse...

tou ca rita, mas um convite pra jantar agora às oito menos um quarto impede-me de desenbolbere.

(cumpriendo a helena, e tambenhe me irritoue as fotozinhaz, mas nao ha real politik que subrebiba a prencipios, isto ée, subrebiber subrebibe, e isso é qué triste)

Helena Araújo disse...

pois não devia haver realpolitik que sobreviva a princípios, mas a minha questão é: quais são os princípios deste povo?

sem-se-ver disse...

qual? o alemão, o portugues? não percebi.

ou falavas de povo em geral, ou seja e pelo menos, dos países ditos do 1º mundo?

Helena Araújo disse...

de facto, todos. Qual é o povo capaz de se sujeitar a passar pior em defesa dos princípios?

sem-se-ver disse...

several.

at least, it should be.

helena, que conversa para a qual não bastam 2 dedos, e logo pela manhãzinha. :)

há uma espécie de manto de inevitabilidade sobre certas situações que, sinceramente, ou eu sou muito cândida (talvez) ou é muito cínico (de certeza). pelo menos, muito de quem desistiu.

não é fatal como o destino que o status se mantenha neste quo, até porque já houve outros status quo.

se houver principios na decisao política e económica, os resultados serão diversos. se os povos exigirem o estabelecimento de tais princípios, também. se o mundo se concertasse em prol da defesa de tais principios, muito ditadores desapareceriam bastante antes do momento em que, após décadas, são derrubados.

repugna, sim, que se tenha relações comerciais e politicas com pessoas como kadhafi, quando nada obriga a tal, salvo a ganancia e o lucro. mais repugna que sejam a ganancia e o lucro a motivar as acções para a sua queda. o caso do sadham é a esse título bastante elucidativo.

sinceramente?, e passando a um outro exemplo? se se fizesse um referendo, estou segura que os portugueses prefeririam que os chineses fossem impedidos de trabalhar cá, naquele regime que é um insulto para os contribuintes à conta do cagaço que os governos têm à china. que se estabelecessem por cá, naturalmente, mas com as regras fiscais impostas a qualquer comerciante de qualquer outra nacionalidade, incluindo a nossa.

e mais? referendo que proibisse o estabelecimento de marcas internacionais que vivem à custa do trabalho escravo e infantil em paises de 3º mundo? estou certa que ganharia também.

francamente, considero que os povos não são desprovidos de principios. os governos é que sim.

Carlos disse...

Mas, ainda que mal pergunte, os portugueses não compram artigos em lojas de comerciantes chineses? E não compram roupa nas Zaras e afins? É só ler as etiquetas e ver onde a roupa é feita -- e é feita, muitas vezes, em países de 3.º mundo, à custa de trabalho escravo e infantil. Maus exemplos, sem-se-ver, embora, no essencial, esteja de acordo consigo.

sem-se-ver disse...

optimos exemplos, carlos, se atender ao que eu disse; faça-se referendo, e verá como eu tenho razao.

(no entretanto, se existe, está ali, é mais barato, as pessoas deitam contas à vida. isso nao quer dizer que concordem. e nao, isto não é nenhum contrasenso: é common sense.)

Carlos disse...

O resultado de um tal referendo poderia ser revelador de muitas coisas, mas, certamente, não da existência de princípios.

A Helena, um pouco acima, colocou uma questão: Qual é o povo capaz de se sujeitar a passar pior em defesa dos princípios? A minha resposta: Não certamente um povo que recorra àquilo que a sem-se-ver descreve como 'common sense'.

sem-se-ver disse...

why? nao percebi o seu raciocinio.