26 setembro 2011

parece uma aldeia

No sábado passado havia maratona dos skaters e o Joachim participou. E eu também, a aplaudir, como de costume. Fui de metro até ao primeiro ponto combinado, e mal estava a sair da estação encontrei um amigo. Assim sem tirar nem pôr, como se isto fosse uma aldeia da qual eu conhecesse praticamente todos os habitantes.
Ah, que surpresa, e que tal?, o meu filho está a correr, estamos ali atrás, ai eu tenho de ficar por aqui, então adeus, e boa sorte para a tua maratona amanhã!
Os skaters são demasiado rápidos, não dá para os reconhecer. Desenrolei a bandeira que me é santo-e-senha, e mal a comecei a brandir apareceu o Joachim com o seu grupo de folgazões. São demasiado rápidos, já disse, nem deu para o gi'me five da praxe de quando ele corria a maratona.

Despachei-me para o segundo ponto combinado. Meia hora de caminhada, temendo chegar demasiado tarde. No caminho, passei por ruas bem do centro da capital que mais lembravam o ambiente de uma cidadezinha de província. Impressionante como no coração desta cidade de quase quatro milhões se encontram ruas tão sossegadas. Tirei algumas fotografias segundo a técnica de toca e foge. Outro dia voltarei lá com mais vagar. Mas o tempo ainda chegou para descobrir um B&B numa rua incrivelmente calma, a Bissingzeile, a cinco minutos do Kulturforum. Não sei se o serviço é bom, mas a localização é fantástica, e por isso aqui deixo o link, para os não amigos (porque os amigos sabem onde têm um quarto com vista para os telhados de Berlim).






No segundo ponto combinado tive mais tempo para apreciar o estilo dos skaters. Alguns eram fascinantes: deslizavam sobre o asfalto como os mais elegantes esquiadores nos Alpes. Pura delícia do olhar. Outros faziam a subida ajudando-se, ora puxando o de trás, ora empurrando o da frente.



Como se fosse uma aldeia, ouvi skaters que gritavam o meu nome. Era o grupo do Joachim, e acenavam freneticamente na direcção dele, numa boa-disposição de quem vai para a romaria. 
Fiquei com a sensação que na corrida dos skaters há muita mais alegria entre os corredores. Vão em grupos ou em pares, tocam-se, empurram-se, dizem piadas, riem-se. Bem diferente da maratona, onde cada um luta arduamente e sozinho, e salve-se quem puder.

Ontem foi a vez da maratona. Como sempre, havia quase um milhão de berlinenses na rua a animar os corredores, e nós com eles: fomos até à praça aqui perto de casa, no quilómetro 33. Ficámos entre um carro da rádio e uma bateria de samba, sentíamo-nos numa discoteca. Difícil não dançar enquanto batíamos palmas e gritávamos "go! go! go!" ou "Por-tu-gal!" quando passava um compatriota.
Mal acabáramos de assentar arraiais, alguém me tocou no ombro: era a mãe de um colega do Matthias. Eu bem digo que esta cidade parece uma aldeia...

Primeiro vieram os das cadeiras de rodas. Corajosos!
Ao fim de algum tempo vimos um homem numa cadeira que rolava desesperadamente porque estava a ser perseguido por carros e motos da polícia. A multidão ensandeceu de entusiasmo, e eu pensei que vinha aí o Papa, mas não, era o Makau. Vinha sozinho, um largo minuto à frente das lebres que lhe deviam ritmar o passo. Imaginámos que ainda ia cair para o lado num dos quilómetros seguintes, mas correu sempre bem e bateu o recorde mundial. Uma das lebres ficou em segundo lugar.





O Haile desistiu pouco depois de passar por nós, tinha problemas de estômago, ou de respiração, ou sei lá o quê. Era o favorito da maratona, e também o meu, porque as pernas dele são bem mais bonitas que as do Makau (quase me lembram as do Joachim no tempo em que ia todos os dias de bicicleta para o trabalho em San Francisco, colina acima, colina abaixo, colina acima, colina abaixo).


E nós a aplaudir sem parar: o primeiro branco, a primeira mulher, o primeiro asiático, o primeiro velhote, o primeiro português (ai, esse não vi, estava a conversar com a minha conhecida), o primeiro homem a empurrar um carrinho de bebé, o primeiro que corria com uma prótese, o primeiro palhaço, etc. - e todos os outros. 
O quilómetro 33 é quando começa a doer mesmo. Mas alguns corredores arranjavam ainda força para nos fazer um sorriso ou um aceno, agradecendo o nosso entusiasmo. Outros achavam que era preciso animar o público, e faziam movimentos com os braços para nos dar alento: nós enchíamo-nos de brio e gritávamos com mais força.

Depois fomos para mais perto da bateria de samba, rimo-nos com alguns corredores que dançavam ao passar pelos músicos. Também nos rimos da cena de uma velhinha que andava devagar e tentou atravessar a rua com um cão que estava a morrer de medo. Então era assim: a velhinha com passos curtos e rápidos, a andar tac-tac-tac-tac pelo meio da multidão de corredores, puxando pela trela o cão que fincava as patas todas no chão e travava como podia.

Ao jantar, a Christina contou as suas aventuras como membro da equipa de apoio: o tipo especado no meio da rua que fazia de conta que nem ouvia os pedidos para voltar para o passeio, os turistas que se punham de costas para os corredores para que lhes fizessem uma fotografia com a maratona como cenário, o prazer que lhe dava animar as pessoas na língua delas, o português que ao quilómetro 38 ia a passo, e ela a caminhar com ele, "vamos lá, Portugal!", e ele a contar que já fez a maratona de Nova Iorque e várias em Berlim, e ela "já só falta um bocadinho, vá, recomece!" e ele recomeçou.

A primeira vez que participei nesta animação foi há vinte anos. Unter den Linden era ainda uma tristíssima avenida soviética, os prédios modernos eram ainda cinzentos e opressivos, mas na zona de Berlim Leste já tinham começado a surgir os primeiros cafés completamente loucos. Um amigo nosso, que corria a maratona pela nem ele sabia quantésima vez, para desenfastiar levou a bandeira que eu tinha na altura: uma bandeira enorme do Futebol Clube do Porto, que os meus irmãos tinham dado ao Joachim para esfregar melhor o sal na ferida daquele golo do Madjer em 1987.
E foi assim que uma bandeira do gloriuoso atravessou Berlim na primeira maratona após a queda do muro. Nesta cidade que às vezes me lembra uma aldeia.

9 comentários:

sem-se-ver disse...

é CLARO que tinhas de ser do FCP!

vinde a meus braços!

Helena Araújo disse...

hahahahahaha

Eu nem sei do que estás a falar!
Nem sei o que é aquilo dos 11 jogadores. Uma das minhas dúvidas existenciais, só para veres o nível da coisa, é: o 11 inclui o guarda-redes?

:-)

Anónimo disse...

Deliciei-me a ler este teu relato.
bj
grande (à tua altura :-) )

João Fontes

Helena Araújo disse...

Olá, João. Pois que sejas bem-aparecido!
Fico muito feliz por teres gostado.

Gi disse...

Mais uma magnífica reportagem. ainda por cima duas-em-uma.

Helena Araújo disse...

Gi:
:-)
E até cortei a terceira em uma, a parte em que me ria do que alguns brincalhões andam a fazer no nosso "walk of fame" berlinense...
Há-de sair num próximo post.

sem-se-ver disse...

(sim, inclui o guarda-redes. de nada: logo te envio a factura :)

nada! o que interessa é que tens e levaste a bandeira do fcp! binde a meus braços, sinhe!

Helena Araújo disse...

:-)
(espero que faças preço de amigo!)

Sinhe, sinhe: foi bonito ver aquela bandeira a atravessar a cidade. Reconheço que foi bonito, sim senhora.

sem-se-ver disse...

baratito: o tlm do allen!