08 setembro 2011

e porque não?

Vai por aí uma discussão acesa sobre a proposta do bastonário da Ordem dos Médicos de cobrar impostos acrescidos na fast-food para financiar o SNS. Eu cá acho bem - na linha do "utilizador/pagador", porque não?

No caso, até fazia uma proposta um pouco diferente: que o dinheiro dos impostos da fast-food ajudasse a sustentar uma cadeia de "soparias": stands de sopas nutritivas e saudáveis, vendidas a preço mais acessível que a tal comida pouco saudável - em vez de entregar o dinheiro ao SNS, aplicava-o na profilaxia. Também podia ser 50% para cada um, "soparias" e SNS. Ou 45% para cada um, e 10% para mim, que tive a ideia. (hehehe)

A questão exige um debate alargado sobre os limites da liberdade individual e os custos da solidariedade social. Infelizmente, o contexto de profunda crise em que vivemos torna todas estas questões bem mais - ahem - fracturantes. Facilmente se pode cair no ataque pessoal: porque é que eu tenho de pagar os custos do tratamento do cancro que o meu vizinho apanhou por ser fumador compulsivo? Ele responderá: e porque é que eu paguei as operações e a fisioterapia que o teu marido fez devido aos seus acidentes no desporto de alto risco que é o futebol? Venha a guerra civil.

Voltando à questão inicial: devemos criar impostos especiais para os comportamentos que implicam um risco de saúde, enviando esses montantes directamente para o SNS? Desde impostos acrescidos sobre produtos nocivos para a saúde (açúcar, sal, gorduras, fritos, vinhos, tabaco, etc.) (pensando bem, vinhos e azeite não, por causa do tal milhão de portugueses...) (eh, lá, se saio da análise ceteris paribus isto fica um bocado complicado) até um suplemento-hospital nas multas por excesso de velocidade e no preço das motorizadas? Sem esquecer de multar as escolas que criem situações de crianças a transportar quase metade do seu peso em livros? E, já agora, impor mecanismos automáticos que desliguem as televisões e os computadores de casa ao fim de, digamos, duas horas por dia? Ou até: aborto compulsivo se o feto tem uma doença grave que vai custar muito dinheiro à sociedade?

É melhor não divagar mais. Em meia dúzia de frases já me espalhei à grande: a partir de uma ideia que parecia boa (o princípio do utilizador/pagador) num instante avancei para uma situação de controle social (abusador(?)/pagador) com todos os ingredientes para criar um ambiente de desconfiança e ódio.

Mas o debate continua por fazer: como articular liberdade individual e solidariedade social? Onde se traça a fronteira entre a lógica de gestão de recursos escassos e o risco do totalitarismo?

15 comentários:

jj.amarante disse...

Essa sugestão do bastonário não está em linha com a orientação do governo que pretende maior neutralidade do sistema fiscal relativamente à despesa das pessoas. Se o governo pretende suprimir deduções fiscais associadas a despesas com saúde porque é que haveria de onerar produtos que fazem mal à saúde? Seria preferível onerar os medicamentos, criando uma taxa mais alta de IVA para estes produtos uma vez que a procura terá pouca elasticidade relativamente ao preço, aumentando assim a receita fiscal de forma segura e eficiente.

mcst disse...

Antes que a ideia se esgote, proponho que em vez de "soparias", (desculpa lá!), se chame a essa nova cadeia de light food "Sopas & Saladas".

Se vieres a ganhar o concurso, lembra-te que gosto mais de saladas e a minha % pode ser o equivalente a uma folhinha de alface.

brincadeiras à parte...
Muitas pessoas mudam mais depressa os seus hábitos, quando o sofrimento lhe sai do bolso.

sem-se-ver disse...

bem,
eu coloquei essa questao á discussao no meu blog, e praticamente ninguem aderiu.

nao devem estar virados pra analisar uma proposta interessante e que tem, em absoluto, a minha concordancia.

agora, sinceramente, nao entendi a tua linha de raciocinio -o que tem a ver taxar comida comprovadamente nociva com 'lógica de gestao de recursos escassos e o risco do totalitarismo'? (a bem dizer, nem percebi esta dicotomia...)

bjs

Helena Araújo disse...

Céu,
não sei se é boa ideia criar uma cadeia de restaurantes chamada "SS"... (gulp, foi a seca do dia)
Que tal: verde-que-te-quero-verde?
Havemos de explorar este filão...
;-)

Helena Araújo disse...

sem-se-ver,
o comentário que mais ouvi contra esta medida era o grupo social que ia pagar o preço: os mais pobres, os que só têm um euro para o almoço, e vão pelo McCheese, ou lá como se chama aquilo. Aconteceu isso a uma colega minha em San Francisco: quando nos reduziram os salários por causa do 11 de Setembro, ela passou a ter apenas 1 dólar para o almoço. E uma vez acordou a meio da noite, à rasca, porque se dera conta que não tinha incluído o preço do shampoo no orçamento do mês.

Quanto ao meu salto epistemológico (está bem: reconheço que "totalitarismo" é um bocado forte): se o Estado se põe a fazer contas ao seu deve e haver, e resolve cobrar mais por comportamentos que aumentam os custos do sistema de saúde, corre o risco de se tornar demasiado normativo, definindo e impondo aos cidadãos modelos de vida saudável. O que traz, no reverso da medalha, a crítica implícita aos que não seguem os bons costumes.
Se começamos a olhar para as pessoas à nossa volta com olhos de devedor - "quanto será que esse teu cigarrinho, ou esse teu rissol, me vai custar?" -, a vida de todos torna-se um inferno.

Helena Araújo disse...

jj.amarante,
pois é isso mesmo, caramba - e direi mesmo mais: em vez da retenção na fonte dos problemas, a retenção ao nível das consequências.

Por exemplo: como nem todos os que fumam apanham cancro, é mais lógico aumentar a comparticipação de quem apanhou essa doença.

ããã...alto! e os fumadores passivos? Porque havia de pagar a vítima pelo pecador?

Isto está complicado...

sem-se-ver disse...

helena,

mas, qt ao tabaco, seja pelas leis anti-fumo, seja pelos incriveis impostos que já pagamos, ninguem (salvo nós) protesta e toda a gente (salvo nós) concorda. so....? what's the difference?

Helena Araújo disse...

E queres alargar essa situação ao resto dos produtos de consumo? E aos hábitos de vida? O quê, não fazes 10 km de jogging todos os dias?! Depois o nosso SNS é te que paga a preguiça, heinhe?

;-)

Embora não pareça, estou neste debate sem uma posição firme. O teu argumento é muito bom: se fazem aos cigarros, porque não fazem aos rissóis?

Helena Araújo disse...

Em Portugal passou o filme "supersize me"?
O tipo que passa um mês a alimentar-se no McDonald's?
O que mais me impressionou foi o modo como os valores das análises se degradaram rapidamente. Uma pessoa saudável cujo corpo, ao fim de umas semanas, começa a dar sinais muito inquietantes.

sem-se-ver disse...

claro que passou, e claro que deveria ser de visionamento obrigatorio em todas as escolas a partir do 5º ano.

e claro que não é.

agora, pergunta-te: porque nao é?

(tou mm a conversar contigo, lê nessa base os meus comentários)

(e nao é rissois, é FAST FOOF)

Helena Araújo disse...

Sim, claro que estamos a conversar, só isso.
Mas olha que não deve haver grande diferença entre rissóis (e os pastelinhos, já agora) e fast food. Ou há?
(Farinhas muito refinadas, demasiada gordura, legumes poucos ou nenhuns.)

sem-se-ver disse...

há, uma essencial:

fast food é cadeia de pessima comida, gerida por empresas multi milionarias, que se tornaram em tal baseando os seus lucros em:
1. pessima comida
2. preços baratos, que, dada a dimensao economica das empresas, esmagam a concorrencia de outros tipos de cadeias alimentares e/ou de restauraçao normal.
a partir daí, é um circulo vicioso de que o capitalismo bem se sabe alimentar.

rissóis ou qualquer outra cena que faça parte da alimentaçao de um país, fora desta logica acima descrita, não podem nem devem ser taxados. porque estao fora da referida logica e prática.

taxar fast food é
1. proteger os interesses comerciais da restauraçao e produtos nacionais
2. dissuadir o consumidor a emborcar aquelas porcarias
3. iniciar a consciencializaçao de que aquilo é mesmo porcaria e que, desde a sua introduçao imperialista em outros paises, ela foi invariavelmente responsavel por aumentos exponenciais de obesidade e obesidade morbida nos seus habitantes.
4. ser coerente com a política e impostos sobre aquilo que faz tanto (ou menos) mal do que aquilo - tabaco e alcool.
5. fazer face a grandes monopólios com coragem e determinaçao.

e por favor nao me venham com o argumento de que aquilo é baratinho e comida de pobres , porque:
1. nao é verdade.
2. tb saõ baratinhas as roupas da zara e os produtos nos chineses, `conta da exploraçao da mao de obra infantil e em geral, em condiçoes de escravatura.

right? right. so....

Helena Araújo disse...

Mas o bastonário não estaria a pensar nessa questão das multinacionais e tal. Apenas nos custos para o SNS da comida pouco saudável.

OK, pondo as razões do bastonário fora desta discussão:

- Se é para perseguir essas cadeias internacionais, vamos ter de definir critérios: porquê estas e não outras? eu, por exemplo, acho as lojas dos trezentos uma coisa terrível - a prazo, o nosso planeta não aguenta produzir tantas coisas de tão má qualidade, transportá-las e viver com esse lixo.
E, por mim, também se podiam fechar todas as lojas de empresas logo que se soubesse que produziam em condições de escravatura.

- Taxar aquela porcaria faria com que eles reduzissem a margem de lucro (um copo de Cola não tem de custar aquela barbaridade) e continuassem a vender mais ou menos ao mesmo preço. Por exemplo.
Além de que iriam, de certeza absoluta, processar o Estado português por estar a promover concorrência desleal, ou algo do género (não percebo nada de legalismos, mas assim sem pensar muito parece-me que um Estado não pode perseguir uma companhia legalmente instalada no seu país, nem pode impôr taxas de impostos especiais para os produtos dessa companhia concreta)

Mudando completamente de assunto: a tua juke box do Tom Waits é fantástica! obrigada pelo link!

sem-se-ver disse...

e estava mt bem, pq a discussao tb passa por aí! (bastonário)

aliás, pq achas que é dos states que vem a fast food? pq lá nao há sns!! simples!! (meaning, seguros, hospitais privados, industria farmaceutica a ganhar milhoes com os custos da obesidade)

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ah nao se pode perseguir uma companhia legalmente instalada?
1. entao nacionalize-se! :D (resposta e decisão à la Chavez)
2. entao passe-se a exigir aos chineses que paguem iva, a ver se nao desaparece num instante esta praga! (argumento ao contrario, como percebeste: se nao se pode perseguir, por que raio se pode proteger?)
3. entao diz lá aos americas para nao terem politicas económicas e comerciais tao proteccionistas dos SEUS produtos e que nao andem a perseguir os interesses económicos e comerciais de todos os produtos que vêm DE FORA
4. concorrencia desleal só aconteceria se nao se aplicassem taxas às fast food portuguesas; nao é essa a ideia - é a um tipo de comida, maioritariamente (ou unicamente ihihih) americana
5. nao inventaram (e, enfim, temos que reconhecer, passada a fase dos excessos ridículos, inventaram bem) a asae, policia que fiscaliza a qualidade sanitária dos produtos e instalaçoes? inventem uma asae para fiscalizar a inacreditavelmente má qualidade da fast food! que poxa, andam a perseguir bolas de berlim com creme e nao a fast food?
6. américa, américa, tanto que sabes que tenho razão, que já muitos dos teus puseram em tribunal, exigindo chorudas indemnizaçoes, os macs e companhia...

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mudando de assunto:

TÁS A VER??? :D

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mais mudança de assunto:
«Há uns tempos, escrevi à correctora das provas da minha antologia de poetas gregos e dizia-lhe que um tradutor (sobretudo quando traduz em verso) parece uma pessoa que faz uma mala. Tem-na aberta à sua frente, mete lá um objecto, e depois acha que um outro seria talvez mais útil, então tira o objecto para depois o colocar de novo, porque, ao reflectir melhor, acha que não pode passar sem ele. Na verdade, há sempre coisas que a tradução não deixa transparecer, quando a arte do tradutor devia ser a de não deixar perder nada. Nunca ficamos, portanto, realmente satisfeitos.»

(marguerite yourcenar, em entrevista, no tal livro que ando a ler)

é isto? :)

jj.amarante disse...

Sobre essa ideia das sopas ou sopas e saladas, suponho que só a condição de emigrante ou de ausente de centros comerciais de Lisboa (não sei se há noutras cidades) poderá explicar o desconhecimento da cadeia "Lojas das sopas" (http://www.lojadassopas.com/). Aliás, o demonizado MacDonalds lançou em Portugal, já em 2005, 7 sopas portuguesas como dizem aqui: http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2005/11/23.htm. Os hamburgueres poderão não ser grande coisa mas, se consumidos com muita moderação, não devem causar morte instantânea. E é engraçado eles adaptarem-se ligeiramente aos gostos locais, como neste caso das sopas e também fornecendo cafés expresso de dimensão portuguesa e pastéis de nata. Enfim, isto sou eu a contradizer um bocadinho, pois não entro num MacDonald há muito tempo mas não desgosto dos hamburgueres.