06 abril 2011

ensaio geral

Tenho de rever a minha teoria sobre os melhores lugares da Filarmonia quando Simon Rattle dirige. É verdade que dos mais baratos se vê a fantástica coreografia e mímica do maestro, mas nos lugares nobres a orquestra tem som de madeiras antigas e chocolate, e chega-nos com uma clareza que quase dói.
Invente-se um arquitecto capaz de resolver este dilema do audiovisual.

Hoje tive a sorte de poder assistir ao ensaio geral da 5ª de Mahler com Simon Rattle e a Filarmónica. No bloco B, um luxo - pese embora o, enfim, já sabem.
 
Entre os assistentes havia alguns grupos de crianças de infantário. Dezenas de miúdos, sentados em filinha no bloco por cima da orquestra. Pensei "aimêdês, isto ainda vai dar barraca", mas não: portaram-se muito bem, nem fizeram barulho enquanto tapavam ostensivamente os ouvidos, nem se lembraram de tossir, nem nada.

Ao fim do primeiro minuto do adagietto lamentei não estar num lugar de frente para o maestro, para lhe poder ver o rosto em lágrimas, com certeza tomado por uma dor vinda do princípio do mundo. Como me enganei: ele parou, para repetir uma passagem que não estava ainda como ele a queria, e falou com uma voz perfeitamente controlada, chegou até a cantar algumas notas para os músicos perceberem melhor.
O maestro é um fingidor...


No fim do ensaio almoçámos na cantina dos músicos, e eu encantada a ouvir as histórias: "o Simon Rattle estava todo contente, até disse que..." e "sabem daquelas aulas de música de câmara nas primeiras quartas-feiras de cada mês?" e "daqui a nada vão começar a ensaiar o Parsifal, se quiserem podemos ir ver" e "nos pianissimo não há quem consiga bater o coro RIAS". Também uns casos interessantes de Biologia: "o meu gato gosta de Mozart mas sente-se incomodado com Bartók" e  "já me aconteceu de ter dois cães lado a lado, um chorava e o outro cantava a acompanhar a música".
Na mesa ao lado almoçava Simon Halsey, o famoso maestro do Rundfunkchor.
Quando nos levantámos, dois técnicos do edifício, em fato-macaco azul, ocuparam a nossa mesa.

Berlim.

7 comentários:

Paulo disse...

Só te digo, Helena: isso é um grande privilégio que tu tens.

E agora vou dar uma ideia grátis aos arquitectos que projectam salas de concertos: coloquem um espelho ao fundo do palco para que o público possa ver as expressões do maestro.

Helena Araújo disse...

Eu sei, Paulo. E de bom grado partilhava contigo se viesses fazer um sabático para cá!

Eduarda disse...

Tb quero!
Eu "tanta" vez disse ao meu marido que sabático em Portugal é mais do mesmo e sem darmos conta o ano passou. Talvez no proximo...

Anónimo disse...

Numa só palavra: INVEJA ; )

Helena Araújo disse...

Camaleões,
quer-me parecer que estamos perante um caso típico de "a galinha da minha vizinha..."
Quem é que outro dia foi com a filha adolescente ver o Justin Bieber, heinhe?

Gi disse...

Pois eu também estou com inveja - da boa.
Goze muito, Helena, e vá contando :-)

Helena Araújo disse...

Gi, confesso que até eu estou com vontade de ter inveja de mim própria! Ontem foi um dia em cheio.