17 julho 2007

adenda ao post "cut&paste"

Devido a este post, que levanta uma questão muito pertinente, parece-me oportuno acrescentar o seguinte:

- O campo dos nazis chama(va)-se Buchenwald; o dos russos, nas mesmas instalações, chama(va)-se Sowjetisches Speziallager Nr.2 (campo especial soviético nº2). Os nomes, as datas históricas e os sobreviventes de um e outro raramente se misturam.

- Buchenwald abriu a 15 de Julho de 1937, e foi libertado a 19 de Abril de 1945. Durante esse período, por lá passaram 250.000 pessoas.
Embora fosse sobretudo um campo de trabalho, calcula-se que tenham morrido 56.000 pessoas (no post anterior arredondei para 60.000, número que ouvi algures).
Os registos do campo indicam 34.375 mortos. Este número não inclui os prisioneiros de guerra soviéticos sumariamente executados (por recurso a um truque cínico num pretenso consultório médico), os presos que a Gestapo assassinava no crematório (calcula-se cerca de 1.100), os que chegavam mortos nos transportes de evacuação dos campos de Leste quando a guerra começou a chegar ao fim, e as vítimas das marchas da morte, em Abril de 1945 (calcula-se um número entre 12.000 e 15.000, dos quais cerca de 11.000 seriam judeus).

- Em Agosto de 1945 os russos abriram o Speziallager Nr.2 Buchenwald, um dos 10 campos e 3 prisões usados para internar alemães (alguns criminosos nazis, bastantes membros e funcionários do NSDAP, funcionários do Estado, membros da Juventude Hitleriana, SS, polícias e oficiais do exército derrotado; também havia presos por denúncias, vinganças, trocas de identidade, ou vítimas de abusos de autoridade). Segundo os registos russos, entre Agosto de 1945 e Fevereiro de 1950, estiveram lá presas 28.455 pessoas.
Ainda segundo os registos oficiais russos, ao todo morreram no campo 7.113 pessoas. Vítimas de fome, frio, depressão (devido à falta de perspectiva e ao absoluto isolamento, que nem permitia que os prisioneiros recebessem notícias da família), epidemias.

Todas estas informações são facultadas pelo site de Buchenwald, em vários idiomas (aqui, em inglês).

Após a reunificação alemã, às instalações de museu de Buchenwald foi acrescentada uma nova exposição sobre o campo soviético. O director tem-se empenhado em desfazer alguns dos mitos que a propaganda comunista criou sobre o campo nazi e os heróis socialistas. Um desses mitos, talvez o mais famoso: a história de um rapazinho judeu que chegou ao campo escondido numa mala, e que foi salvo pelos destemidos camaradas, quando o seu nome já constava da lista do próximo transporte para Auschwitz. Foi salvo, sim: riscaram o nome dele, e puseram o de um ciganito.

Embora o horror nazi seja muito mais mediático, digamos assim, que o soviético, a exposição disponibiliza muita informação sobre esse período.

As questões levantadas pelo João Tunes são pertinentes, mas é preciso ter em conta que os alemães têm sido impedidos de chorar as suas vítimas. Esforços no sentido de lembrar que do lado dos civis alemães também houve horríveis sofrimentos, sobretudo entre os que fugiram ou foram expulsos do Leste, resultam sistematicamente num coro de protestos internacionais. Um dia destes contarei isto com mais detalhe. Nem queiram saber a quantidade de vezes que ouço: "tu podes dizer isso, não és alemã..."

Quando há cerimónias para lembrar algum marco da história de Buchenwald, só convidam os sobreviventes do campo nazi - e ninguém teria coragem de juntar na mesma cerimónia as vítimas dos nazis e as vítimas dos russos (os supostamente criminosos nazis).
Ou de lembrar, perante aqueles sobreviventes, os SS que lá morreram...
Eis porque só citei os números de vítimas dos primeiros oito anos do campo: estava a ecoar os discursos feitos perante esses sobreviventes.


E para não chover mais no molhado, cá vou chover no período comunista. Contaram-me que um dos guias que mostra a prisão de Bautzen- uma das piores prisões da Stasi - controla sempre os travões do carro antes de o pôr em andamento. Nunca se sabe, diz ele, e ainda há por aí muita gente a quem não agrada que se diga mal da Stasi, e se mostre os locais onde torturavam, e conte como era.

De um lado os neo-nazis, do outro os velho-comunistas - alguém me diz onde é a saída de emergência deste filme surrealista?

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